Os impactos psicofisiológicos da pornografia na sexualidade humana

O acesso ao meio virtual se disseminou na sociedade atual. Pode se afirmar que, diariamente, milhares de pessoas acessam a internet com fins diversos, dentre estes o cumprimento de tarefas de estudo, a realização de compras, interação nas redes sociais e consumo de materiais pornográficos. O mercado pornográfico aumenta, a cada ano, a sua renda e o seu crescimento acelerado nos últimos tempos nos faz questionar sobre os efeitos que podem ser vistos na subjetividade do ser humano.

A pornografia não requer a companhia do outro e alimenta as fantasias do indivíduo com o fim de alcançar o prazer sexual. Nesse cenário, visualizam-se conteúdos eróticos dos mais diversos que variam desde o masoquismo, sexo anal e demais práticas que estimulam a brutalidade e a dominação. A pornografia tem o efeito de modelar o cérebro humano, condicionando-o a criar uma dependência em relação a esse hábito. O impacto que exerce sobre jovens que carecem de experiência sexual é crucial, na medida em que contribui para que definam as suas preferências sexuais. Tal repercussão também se estende para os indivíduos adultos, nos quais, apesar de apresentarem o cérebro mais amadurecido, o mesmo ainda pode passar por uma remodelagem e construir novos padrões de vícios, o qual está incluído a pornografia. A pornografia está vinculada às alterações fisiológicas provocadas no cérebro e é fonte geradora de consequências psíquicas e comportamentais.

Na base desta pirâmide se configuram as necessidades fisiológicas, o que envolve fatores, tais como a fome, sede e o desejo sexual. Estas são as necessidades mais prementes do ser humano e se constituem como pré-requisitos básicos para a realização das suas demais aspirações. À medida que a pirâmide sobe ocorre a reunião de outros interesses, dentre os quais a segurança, a estima e a autorrealização. Destaca-se que o sexo é uma dos pilares primitivos dessa composição e, portanto, está associado a uma necessidade de vital importância para a saúde humana. O indivíduo que apresenta bloqueios concernentes a uma dessas primeiras experiências humanas, pode apresentar dificuldades de atingir níveis superiores, contemplados no ápice da pirâmide.

O termo sexualidade não se restringe à concepção biológica, ou seja, o ato sexual. A sexualidade abrange um viés mais amplo, estendendo-se para a história de vida do indivíduo e o acompanhando desde o seu nascimento até a sua morte. O desenvolvimento psicossexual, descrito por Freud, é marcado por afetos, desejos e conflitos que estão presentes a partir do nascimento do ser humano. As experiências de sexualidade vivenciadas na infância impactam nas escolhas que são tomadas na idade adulta, consolidando-se como um importante marco para o desenvolvimento da sua identidade. Graças à compreensão do papel fundamental que a sexualidade representa na vida do homem, faz-se necessário destrinchar quais são as consequências que estão atreladas ao hábito da pornografia.

A pornografia é definida como uma manifestação do comportamento erótico em livros, revistas ou filmes. A palavra pornografia é oriunda do grego “pornographos” que consiste na reunião de “porne”, cujo significado remete a prostituta e o vocábulo “graphein” que se refere a escrita. A palavra se traduz como aquele que escreve sobre prostitutas e que trata a respeito de conteúdos oscenos por meio de textos, ilustrações ou fotos. No que se refere ao período que as atividades pornográficas acentuaram a sua influência, menciona-se a década de 60, quando o movimento hippie ganhou força e trouxe à baila discussões envolvendo o direito ilimitado ao prazer, a liberdade sexual da mulher por meio do uso da pílula anticoncepcional a confecção, em massa, das revistas pornográficas. Estudos apontam que os materiais pornográficos estão sendo acessados, cada vez mais, cedo e o resultado disso é a construção de uma base sexual para os jovens distorcida quanto aos valores implicados em uma relação, sobretudo, no que se refere ao papel desempenhado pela mulher na sociedade. Para alguns destes jovens, esta educação sexual que recebem, talvez, seja a única que terão acesso durante toda a vida, servindo como modelo para a construção de uma visão de mulher subserviente ao homem. Zimbardo; Wilson; Coulombe (2016) referem que pesquisas feitas com adolescentes demonstram que os jovens dispendem cerca de duas horas por semana, com sessões em torno de duas horas, voltadas para a visualização da pornografia. Estima-se que a idade da primeira relação sexual do jovem ocorre, em média, aos 17 anos e, se convertermos em número, chegamos à conclusão que antes de iniciar o primeiro ato sexual, o adolescente já acessou 1.400 sessões pornôs. Os psicólogos, sociólogos e demais setores da área da saúde alertam acerca dos efeitos negativos exercidos pela pornografia sobre a sexualidade e os relacionamentos. Especialistas declaram que os homens que assistem regularmente pornografia estão sujeitos a desenvolver uma falsa expectativa no que concerne ao desempenho sexual da mulher e a sua aparência, somado ao fato de apresentarem dificuldades de iniciar e manter um relacionamento e relatarem, comumente, insatisfações sexuais. O estudo realizado por Bridges e outros pesquisadores indicam que outro grave problema encontrado no material pornográfico diz respeito à violência contra a mulher manifestada nas cenas por meio de agressão física (88%) e verbal (49%), espancamentos (75%), engasgos durante a prática de sexo oral no homem (54%), insultos (49%), tapas (41%), puxões de cabelo (37%) e sufocamento (28%). As imagens pornográficas apresentam uma forte capacidade de impressão na mente. Muitas pessoas ainda se recordam da primeira imagem erótica que tiveram contato.

O crescimento vertiginoso de consumo de pornografia entre os jovens tem levado ao fenômeno que alguns especialistas estão chamando de “anorexia sexual” que consiste em uma maior dificuldade em ter relações sexuais com um parceiro real. O material excessivo pornográfico que visualizam contribuem para que se tornem menos sensíveis às estas imagens, causando impactos na libido e reduzindo drasticamente a ereção. Os neurologistas justificam que o vício em pornografia está associado às mudanças anatômicas ocorridas no cérebro que resultam em uma maior necessidade de estimulação externa do sistema de recompensa e, como consequência desse processo, os indivíduos recorrem, muitas vezes, à busca por novos estímulos pornográficos exagerados para conseguirem alcançar o prazer obtido antes de consumirem esse tipo de material. A neurocientista Valerie Voon mencionou a partir dos estudos realizados que o cérebro de uma pessoa viciada em material pornográfico se assemelha ao cérebro de um dependente químico. As drogas psicoativas alteram a dinâmica do sistema de recompensa do organismo, induzindo o cérebro a pensar que tais substâncias são essenciais para manter a sua sobrevivência. No rol das recompensas naturais humanas que incluem comer, dormir e o hábito do sexo, nota-se que tais fatores afetam o sistema de recompensa do cérebro do mesmo modo que as substâncias psicoativas. O sistema de recompensa diz respeito ao circuito neuronal responsável pelas sensações prazerosas e, como consequência, pela assimilação de novos aprendizados que podem originar a repetição de um dado comportamento, podendo ser ativado de modo natural pela ingestão alimentar ou mediante o ato sexual ou, do contrário, pode ser induzido por substâncias artificiais, como as drogas psicoativas. O desejo sexual é alavancado devido à ação da dopamina que é um neutrotransmissor que atua no cérebro. Ao atuar no cérebro, contribui para a diminuição dos estímulos negativos, além de proporcionar sentimentos benéficos como o êxtase e a excitação, criando condições propícias para a dependência no sujeito. Ao se considerar um relacionamento harmonioso entre um casal, a dopamina permite que direcionem a sua atenção um para o outro, causando uma sensação agradável de bem-estar na relação. Entretanto, o indivíduo, ao reduzir a atenção direcionada para a família, e partir para o consumo indiscriminado de material pornográfico, mobiliza o neurotransmissor de forma excessiva para o foco em imagens. O resultado disso é a formação de uma dependência química relacionada às imagens comparada por especialistas ao vício em cocaína, desencadeando problemas severos de ordem física, psicológica e emocional nos âmbitos sociais e familiares. O vício motiva o indivíduo a uma busca frenética por estímulos sexuais com o objetivo de sentir o efeito prazeroso proporcionado pela ação da dopamina, favorecendo a procura por maior quantidade de imagens eróticas visando a satisfação dos seus desejos. As pessoas que dedicam o seu tempo exaustivamente em busca de pornografia na internet recebem o diagnóstico de compulsão por sexo. O estudo apresentado aponta as consequências psicofisiológicas desencadeadas pela pornografia na sexualidade humana. Sendo assim, faz-se necessário repensar quais deverão ser as medidas adotadas para ajudar os indivíduos que alegam prejuízos decorrentes do seu uso, bem como alertar os pais e responsáveis legais das crianças e adolescentes sobre a importância de manter a vigilância e controle dos meios virtuais que utilizam os seus filhos, certificando-se que os mesmos estão expostos a conteúdos saudáveis e enriquecedores sob o ponto de vista psíquico, incentivadores do seu potencial criativo e livre expressão dos seus sentimentos.


Saulo de Oliva

Médico, especializado em Psiquiatria. Psicólogo.

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