Wabi-Sabi

Sabe aquelas viagens psicodélicas pela Internet, onde uma coisa vai levando à outra, e um algoritmo de algum geek gênio te faz dar de cara com um conhecimento feito sob medida pra você, e que apesar de existir há pelo menos cinco séculos, você nunca tinha ouvido falar? Foi em uma destas viagens – não pelo Japão, mas pelo YouTube – que conheci o Wabi-Sabi. Para quem também nunca viu mais gordo, o Wabi-Sabi é uma visão estética japonesa que valoriza a transitoriedade e a imperfeição das coisas. Segundo este conceito, há uma beleza não apenas no simples, no rústico, mas também na assimetria e nos defeitos. Eu achei bem interessante, mas como preciso de algumas doses de cotidiano para absorver certos conhecimentos, passaram-se exatos dois dias para que minha funcionária viesse me mostrar que um enfeite “xodó-da-vida” havia quebrado em alguns pequenos pedaços. Não era nenhum vaso carérrimo que ganhei de casamento naquelas épocas em que fazíamos listas de presentes lotadas de coisas que nem sabíamos bem o que era. No caso, era um objeto sem nenhum valor financeiro, uma pequena moto de cerâmica colorida que trouxemos de uma viagem há muitos e muitos anos. Acho que se fosse em outro momento, simplesmente faria um exercício de desapego e acompanharia o cortejo fúnebre das lascas até o lixo. Mas com minha recém-adquirida cultura nipônica, resolvi mandar uma super-bonder, e a moto (com sua enorme cicatriz) voltou para o seu espaço nobre na estante. E não é que o wabi-sabi tinha sua razão e o enfeite ganhou todo um novo charme? A verdade é que há muito tempo eu já nem percebia mais aquela peça na estante e foi justamente a marca tão concreta do tempo que trouxe um novo significado, e ainda mais valor à sua longa história conosco. Desde então, sigo apurando mais e mais meu senso estético para estas pequenas marcas dos anos e das estórias. Não significa que vou necessariamente sair com a calça furada, a bolsa remendada e deixar a mancha de vinho para sempre no meu sofá branquinho, mas nem tudo precisa estar novo, impecável e imaculado para ser esteticamente agradável. Acredito que sim é possível desenvolver o olhar e realmente enxergar beleza na imperfeição.

Shelly Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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