O ÚLTIMO ATO

E se esse fosse o seu último ato?
E se tudo acabasse agora?
Qual teria sido sua última conversa?
Com que tipo de emoção deixaria esse mundo?
Esse tipo de pergunta tem muito sentido no Budismo, por exemplo.
É dito que o estado mental que se morre, define o plano espiritual que se vai. Nesse sentido, morrer com uma mente carregada de ódio, pode fazer com que a pessoa renasça num plano muito parecido com o conceito de inferno dos católicos, ou com o umbral dos espíritas.
Com que emoção os outros ficariam na sua partida?
Fazer o exercício de imaginar a pessoa querida que brigamos e não termos a chance de resolver (por esse ser nosso último ato), também transforma imediatamente a situação.
A pessoa querida e o amor que sentimos por ela ficam tão evidentes que se não formos imediatamente encontrá-la e resolver a situação, fazemos uma ligação, uma tentativa de resolução tão logo possamos.
É urgente resolver, nada mais pode ser mais importante.
É um exercício muito interessante e transformador lembrar-se dessa frase.
Todo o drama mental termina.
A raiva parece tão pequena diante daquele último instante que desaparece.
As desavenças tão insignificantes.
As coisas que lutamos tanto para conseguir, perdem suas funções.
As pessoas que deixamos de nos relacionar por algum motivo, deixam de ser tão ruins.
Os planos de futuro perdem o significado.
O estado de espírito se transforma imediatamente diante da urgência do último ato.
Somos obrigados a perceber que só existe o presente e que é nele que tudo acontecesse.
Que o passado e o futuro são tempos inexistentes, que estarmos atentos a cada ato, a cada instante é a única maneira de vivermos sem conflitos nem sofrimentos. Se agora me desentendo com alguém, agora resolvo porque não há outro dia.
A casa está pegando fogo, ajo. Saio o mais rápido possível dali, senão morro. Não há tempo para planejar, refletir nem postergar. A atenção àquele momento me mostra a saída. Só assim consigo sair viva.
A casa está pegando fogo, mas vamos jogando um pouco de água aqui e ali. O incêndio não é resolvido.
Ficamos dentro da casa, ardendo em chamas, abrandando o fogo, mas não resolvemos o problema. É assim que vivemos: numa casa em chamas, sabendo que precisamos resolver o incêndio, mas sem querer abandonar a casa, vamos queimando, inalando a fumaça e morrendo pouco a pouco, estando vivos.
Deneli Rodriguez.
03.06.2019.


Deneli Rodriguez

Pensadora, escritora e artista. Menção honrosa Itaú Cultural com seu texto "A Menina Iluminada". Concorrente aos prêmios Oceanos e Kindle de literatura. Livros: A Menina Iluminada e A Buda. Filmes: Charlote SP, primeiro longa metragem brasileiro filmado com celular, dirigido por Frank Mora; e Deneli, curta metragem vencedor de prêmios internacionais dirigido por Dácio Pinheiro.

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