Os assuntos que nos perseguem

É engraçado como alguns assuntos simplesmente nos perseguem. Passam-se anos e ainda estaremos curiosos, intrigados ou tocados com aquilo.  Há algumas semanas fiz um curso da Ana Holanda, editora da revista “Vida Simples”, onde ela mencionou diversos livros e indicou uma extensa bibliografia.  Fiquei com vontade de ler todos, mas coloquei um asterisco bem grande no que mais me chamou atenção, para começar por ele.  Era “Meus desacontecimentos” da jornalista Eliane Brum, e na semana seguinte fui à livraria comprá-lo.  Assim que comecei a leitura, achei que já tinha ouvido algumas das estórias, mas precisei de mais dois capítulos para me dar conta de que já havia lido.  Corri para minha estante e lá estava seu irmão gêmeo, de uma edição anterior e mais ou menos uns quatro anos atrás.  Consegui comprar o único livro que eu já tinha de uma lista com pelo menos dez indicações!

 

Depois de um breve autoflagelo e uma preocupação bastante pertinente com a minha absoluta falta de memória, entendi que, amnésias à parte, alguns temas simplesmente tocam fundo meu coração.  Sinopses que chamavam minha atenção aos trinta, ainda me atraem aos quarenta e, se Deus permitir, continuarão me encantando aos oitenta. Acontece com livros, acontece com filmes, acontece com a vida, e acredito que aconteça com todo mundo.  Algumas questões têm conexão direta com a nossa alma, e continuarão a nos rondar existência a fora.

 

Sei que em tempos de algoritmos super-mega turbinados, são muitos os assuntos que nos perseguem, inclusive de forma bastante literal e exaustiva.  Desde que baixei um aplicativo de meditação, por exemplo, minha timeline vive inundada de artigos e cursos de meditação guiada, meditação transcendental, meditação de ponta-cabeça, meditação embaixo d’água.  Programadores deveriam estudar psicologia para entender que não é bacana rotular as pessoas com tão pouco. Sim, gosto do tema, mas não medito. Foi um dia em que eu estava particularmente agitada e precisava de uma ajuda para me acalmar.  Azar. Fui carimbada e agora devo pertencer à categoria “Hippie de boutique”, pois além das meditações e alguns outros conteúdos mais místicos, estou sendo hackeada há meses por um vestido azul e branco lindo e carérrimo que me persegue em qualquer site que eu entre, desde o maldito dia em que eu desavisadamente cliquei no dito cujo.

 

Mas não é sobre a eficiência do marketing digital que eu queria tratar neste meu texto. E definitivamente não é esta fixação cibernética que me comove.  Fico sim fascinada com os temas que permeiam nossas vivências de forma recorrente, porém de forma sutil, delicada e profunda, como um fio condutor. Questões que nos despertam a atenção e os sentidos, nos chamam e são capazes de nos arrancar uma lágrima visceral independente do nosso contexto atual de vida ou de quantos quilômetros já rodamos.

 

Replico aqui trechos da contracapa e do prólogo de “Meus desacontecimentos” (Eliane Brum) que me pegaram de jeito há quatro anos e novamente agora:

De quantos nascimentos e mortes se constitui uma vida? De quantos partos uma pessoa precisa para nascer? Com quantas palavras se faz um corpo? (…).” 

Nossa vida é nossa primeira ficção. 

Como contadora de histórias reais, a pergunta que me move é como cada um inventa uma vida.  Como cada um cria sentido para os dias, quase nu e com tão pouco. Como cada um se arranca do silêncio para virar narrativa. Como cada um habita-se. Desta vez, fiz um percurso de dentro para dentro. Me percorri (…).

 

Por Shelly Zaclis Bronstein (Autoterapia)


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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