DO AÉCIO OU DO ABUTRE

“Mesmo no banco dos réus, é sempre interessante ouvir falar de si mesmo.” Albert Camus, sobre a filáucia dos narcisistas  

 Dois intelectuais que admiro muito, Eduardo Giannetti e Vladimir Safatle me fazem pensar que a situação do Brasil é trágica. São duas grandes inteligências e duas pessoas éticas com pontos de vista completamente opostos, a favor e contra as reformas. Ai é complicado. Temos um “desacordo moral razoável”. Existiriam reformas razoáveis? O antagonismo entre esses dois representantes de pólos extremos me faz chegar a seguinte conclusão melancólica: O Brasil é uma família difícil. A boa vontade política e competência administrativa por si só não seriam suficientes para resolver os problemas socioeconômicos que nos assolam diariamente. E nem isso está a nossa disposição, ou seja, boa vontade política e competência administrativa. Contudo, se existissem eliminariam o supremo câncer maligno nacional: a corrupção. Não seria redentor?

Um ultimato nos acena: as coisas precisam mudar. Como está não dá para ficar. É preciso ter boa vontade para resolver nossos problemas e chegar a um acordo justo para todos. O direito dos brasileiros não pode mais ser violado por pessoas egoístas e gananciosas. Por que o grande político maquiavélico Aécio Neves caiu? Por dois fatores fundamentais: excesso de autoconfiança (e convicção de impunidade) e orgulho desmedido. Se até eu pensava que o Aécio era intocável imagina ele depois de décadas de luxuriosa prospecção política e muito amor mesmo pela cocaína, dizem as más línguas? É claro que o Aécio tem milhões em bancos disseminados pelo mundo a fora, mas milhões não são bilhões. Quem o derrubou? Um bilionário, não é verdade? Nesse sentido a Justiça brasileira foi genial. Ela acossou os super-ricos e poderosos e eles num movimento óbvio de auto-preservação sacrificaram suas mulinhas vampirescas.

O orgulho é traiçoeiro. O Aécio Neves é tudo menos burro. Até ontem ele escrevia para a Folha. Em sua última crônica “O crime da calúnia” ele se disse profundamente arrependido por ter sido tão ingênuo. Eu conheço pessoas profundamente arrependidas pela sua ingenuidade. O cacique político mineiro não é uma delas. Segundo o formidável filósofo Schopenhauer “O sacerdote conhece o homem em toda a sua ingenuidade. O médico o conhece em toda a sua fragilidade. E o advogado o conhece em toda a sua maldade.” Não sou advogado do Aécio, pelo contrário, mas estou convencido de que ele só caiu porque não soube se preservar, não soube admitir a derrota quando ela era clara para todos, inclusive para ele, insistiu na tática russa de guerra da Terra arrasada e se deu mal. O lema de políticos como o Aécio Neves é o mesmo do Adam Smith “Tudo para mim, nada para os outros.” (Como é possível a pessoa ter tudo e ainda querer sempre mais e ainda conspirar contra o direito dos outros destruindo assim muitas chances deles serem felizes?) A experiência provou que não é assim que o universo dança. Ou seja, se o Aécio tivesse aceitado a derrota para a Dilma com ética e elegância, se tivesse ido cuidar da sua vida ao invés de tentar arruinar a dos outros ele talvez tivesse se salvado. A humilhação e desonra pela qual está passando agora era previsível. Ele podia ter evitado. Por isso repito: o orgulho é traiçoeiro.

Os companheiros de partido de Aécio já o consideram um espectro, isto é, um ser que faz parte do mundo dos mortos. Essa consideração faz parte da tirania e da hipocrisia da grande família que é o Congresso Nacional. O jogo do poder definitivamente não é para amadores nem para arrogantes. Aécio caiu porque se recusou a mudar. Achava-se intocável e insubstituível e ninguém o é. Ele foi longe demais e não soube quando era a hora de voltar atrás e se adaptar as novas regras do jogo de poder que é como um jogo de azar. Quem poderia culpá-lo, afinal, ele não tinha uma bola de Cristal e se sentia seguro. Um bom exercício para qualquer ser humano arrogante que se acha intocável e insubstituível é imaginar-se morto. Suponha que você morreu essa noite. Isso acontece. Milhares de pessoas morrem diariamente. Pergunta cruel n° 1: houve um suicídio em massa por causa da sua morte ou apenas a aguda dor natural da perda dos entes queridos e luto?  Pergunta cruel n° 2: quanto tempo depois do seu óbito seu conjugue arrumou outro? 2 anos? Uau, ele devia te amar muito. Entendeu? Nessa vida somos apenas seres humanos. Ninguém é melhor do que ninguém. Embora a lei brasileira seja uma desgraça. Há casos de sonegação de impostos previdenciários, por exemplo, em que se o empresário devolver os dois milhões que roubou tem sua sanção sanada, perdoada. Mas o infeliz que rouba uma lata de conserva periga passar anos na cadeia como acontece.

Agora, o Aécio não é um suicida clássico, deprimido e determinado. Esse revólver disparou sem querer enquanto ele o alisava com amor, mimando-o. Eu já vi no youtube idiotas infelizes brincando com uma arma de fogo quando ela dispara acidentalmente em suas caras. É claro, ninguém iria mudar a natureza do Aécio apelando para a sua insuspeita nobreza de alma com um discurso cristão dizendo “Querido Aécio, por favor, seja ético, respeite o direito dos brasileiros, respeite a escolha dos brasileiros, aceite a derrota nas urnas, continue cuidando da sua bem-sucedida carreira e seja muito feliz.” Mas se tivesse “visão de futuro” e soubesse o que sua obstinação iria lhe render ele teria parado enquanto é tempo para evitar sua própria destruição. Ele não iria mudar por força de uma transformação transcendental, mas pela simples sabedoria do sobrevivente que sabe que ou muda ou se desgraça porque seu inimigo está a anos-luz dele. Fica a dica para você que sofre da Síndrome de Aécio Neves: a velha raposa não teve visão de futuro e você, por acaso tem? A palavra-chave aqui é aceitação e humildade!!! Características primordiais de uma pessoa que se diz dotada de fé em Cristo.

Por que não é possível sanar nossas deficiências? Por que não é possível coexistirmos pacificamente? Por que não é possível respeitarmos os direitos uns dos outros e sermos éticos e íntegros? O país é jovem, o povo é solidário, o potencial é promissor. Ética não pode faltar. Dignidade não pode faltar e sobretudo boa vontade não pode faltar. A hora de mudar é agora. Ou mudamos ou terminaremos como o Aécio: desmantelado.  É tempo de repensar nossas ações.


Thiago Castilho

Advogado e escritor, um homem de leis e letras. Acredito que a arte pode “ensinar a viver”. Ensinar a viver significa ensinar a lutar pelos seus direitos e a amar melhor a si e a toda humanidade. Adquirir o conhecimento e transformá-lo em sabedoria de vida no palimpsesto do pensamento. Eis meu ideal intelectual que busca realizar a experiência do autoconhecimento, não sei até se do absoluto e talvez do Sublime aplacando assim minha angústia existencial, sem soteriologia, porque ao contrário de Heidegger não acho que somos seres-para-a-morte, mas seres-para-a-vida e seres-para-o-amor.

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