Não permitam que eles roubem a sua liberdade!

Lia – Parte I

A cada lágrima derramada, Lia se olhava no espelho e se convencia de que era ela a culpada de toda a história. Pensava consigo mesma que para que Daniel a aceitasse bastaria ela melhorar um pouco o seu visual, procurar novas maneiras de agradá-lo e concordar um pouco mais com o que ele dizia. E foi o que, durante anos, ela fez. Não era tudo o que Daniel queria, afinal?

Mas Lia percebeu que quanto mais fazia por ele, pouco ou quase nada recebia em troca. Por que será que não havia retorno, já que ela fazia tudo tão certo? Era algo que Lia não entendia e passava as noites em claro se questionando. A sua família e amigos o culpavam sempre, mas como ela poderia concordar com eles? Certamente por serem infelizes nas suas próprias relações, não desejavam a sua felicidade… Pensava Lia.

E assim, aos poucos, Lia foi se afastando de todos, até mesmo dos seus sonhos mais antigos, era agora Daniel que ocupava todo o espaço na sua vida. E de tanto ele percorrer o seu espaço, ela se viu sem nenhum espaço. Olhava para dentro de si e não enxergava nada mais além do que um imenso vazio. A vontade era de gritar, mas o silêncio falava mais alto. Demorou um pouco e ela chegou a conclusão que não era boa o suficiente para ele, pois não importava o que fizesse ainda era pouco para agradá-lo.

Certo dia, arrumando a velha estante de casa, deixou cair um retrato empoeirado que há muito tempo não via. Ao se inclinar para pegar o retrato no chão, parou por alguns instantes ao ver a foto que lá estava. Era uma foto da sua infância, na qual aparecia sorrindo. Lia não se recordava a idade, muito menos onde a foto foi tirada ou o motivo do sorriso. O que lhe paralisou, por aqueles breves segundos, foi simplesmente o seu largo sorriso e os seus olhos brilhantes cheios de vida.

Por alguns instantes se lembrou da sua infância e de como tudo o que fazia era incrivelmente belo. Não havia críticas atormentando os seus ouvidos e se sentia livre para poder se expressar como bem quisesse. Sim, naqueles breves segundos Lia desejou novamente ser uma criança.


Saulo de Oliva

Médico, especializado em Psiquiatria. Psicólogo.

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