Sentir prazer também faz bem à saúde

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Estamos vivendo a ditadura do politicamente correto e do politicamente saudável. Não sou contra uma alimentação balanceada. Não acho que devamos nos entupir de fritura todos os dias. Por outro lado, todo tipo de excesso prejudica a saúde. Se comer muitos doces e frituras desequilibra o organismo, gerando uma série de problemas como colesterol ruim alto, diabetes, pressão alta, obesidade etc. Se privar de pequenos prazeres também pode ser nocivo. E bem nocivo.

Estamos perdendo o prazer de comer sem culpa uma boa porção de fritas regada a uma cervejinha gelada. Por outro lado, nos entupimos de comida industrializada, sucos de caixinha , lasanhas que bastam serem aquecidas no micro-ondas. As crianças estão substituindo refeições que deveriam incluir carne , vegetais e carboidratos por pizzas , esfirras e outros tipos de lanche. Muita gente não pára para comer calmamente na hora do almoço. Engole um sanduíche ou uma salada na frente do computador, digitando, se estressando.

Se por um lado, se perdeu o prazer de se preparar em casa uma comida mais calórica e saborosa, por outro, comemos depressa, comemos com culpa, comemos muitos lanches, minimizamos e satanizamos a comida simultaneamente.

Mais do que obter nutrientes , comer é uma necessidade da alma. Comer junto fortalece vínculos. Comer com prazer proporciona alegria. Certos pratos apreciados na infância nos causam um sentimento de aconchego e integração. Receitas de família, transmitidas de geração a geração, conservam parte importante de nós mesmos, da nossa história de vida. Certas comidas nos trazem relevantes lembranças afetivas.

Cozinhar junto também é prazeroso. Também fortalece vínculos. Mas quando falo de prazer, não me refiro apenas a comer, beber e cozinhar. Me refiro a qualquer tipo de prazer e alegria. O prazer de uma boa caminhada, de dormir até mais tarde num domingo, de ler um livro, de ver um filme , de bater um papo gostoso com um amigo.

Me refiro ao prazer de ter uma vida significativa ao lado de pessoas que fazem a diferença. Na correria do dia a dia, temos tempo para o trabalho, para a academia , para os cuidados com a beleza, mas raramente reservamos um tempo para gente mesmo, para o nosso prazer, para a nossa alegria. Tudo o que fazemos precisa ter um objetivo prático, bem definido. “Farei ginástica para melhorar a saúde e definir os músculos”. “Farei drenagem linfática para me livrar de gordurinhas indesejáveis”. “Esfoliarei a pele para deixá-la mais macia. Almoçarei salada para manter a forma”. “Lerei o livro X pois o meu chefe o recomendou”. E os livros que queremos ler pelo nosso simples prazer? E os passeios que queremos fazer simplesmente para nos sentirmos bem?

Precisamos cumprir uma série de compromissos sociais porque é educado, porque é conveniente, porque é preciso. Não estou negando a importância e o valor de sermos gentis e educados. Mas por outro lado, quando arranjamos tempo para sermos gentis com a gente mesmo? Às vezes, tudo o que a gente quer é encher uma taça de vinho, se enfiar numa banheira , fechar os olhos e esquecer da vida. Mas arranjamos tempo para isso?


Sílvia Marques

Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.

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