Metamorfose ambulante

Apesar de não ser fã ou mesmo conhecedora das músicas do Raul Seixas, desde a primeira vez em que escutei “Metamorfose Ambulante”, me identifiquei de imediato com a letra e pareceu-me uma libertação imensa isso de não ter sempre aquela velha opinião formada sobre tudo. O exercício da escrita parece escancarar (principalmente para si próprio) essa constante transformação, às vezes sutil e às vezes drástica. Na escrita, mesmo que haja diversos recursos de ficção, a realidade é que acabamos deixando muito de nós congelado nas linhas e entrelinhas de um poema, de uma crônica ou mesmo de um conto ou romance repleto de personagens e situações inventadas. Voltar a ler algo que escrevi há algum tempo – seja este período curto ou longo – além de me lembrar um pouco de quem eu era naquele exato instante perdido no tempo, me faz perceber nitidamente essas mudanças. Já cheguei a me questionar e a me penitenciar por achar que meus textos traziam ideias bastante contraditórias. Como posso ser assim tão volúvel? Os entusiastas da astrologia talvez diriam que o sol em Gêmeos quando nasci me faz uma pessoa adaptável e flexível. Não sei se acredito…Mas o fato é que lembro do cerne de verdade e de genuinidade de onde partiram todos os textos, mesmo que paradoxais. E assim, decidi abandonar o desnecessário auto-flagelo. Se estou aberta às experiências, aos relacionamentos, à natureza, ao mundo, este irá, fatalmente, me modificar. Até ontem eu era a somatória dos meus amores, meus desamores, minhas vivências, meus sonhos, minhas desilusões. Hoje, sou tudo isto e mais a conversa que tive com meus filhos logo pela manhã, o livro incrivelmente maravilhoso que terminei de ler nessas férias e o encantamento de estar aqui escrevendo enquanto observo a neve cair torrencialmente do lado de fora. Quanto a amanhã, ainda não sei quais aprendizados e quais emoções irão me transformar. Mas sei que se continuar me permitindo interagir com a vida, ainda irei me surpreender bastante ao ler alguns dos meus antigos textos.

 

Shelly Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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