Palavra-Daninha

Durante o processo de publicação do meu livro, algum tempo depois que ele já havia sido liberado para impressão, resolvi reler o arquivo final e me deparei com um erro, uma palavra duplicada. Fiquei com os cabelos em pé, totalmente indignada! Não é possível que tenha encontrado um erro depois de dezenas (talvez centenas?) de leituras e releituras, não apenas minhas, mas de familiares, amigos, e revisores profissionais! Como pode ser? Pode! O erro foi justamente em um parágrafo de agradecimento que escrevi no dia em que assinei o termo de liberação para a gráfica, emocionada que estava e querendo transbordar minha gratidão. Escrever com os olhos mareados é algo não recomendado, mas que faço com certa frequência, porém sempre convivo um pouco com o texto e acabo detectando os erros mais óbvios que escaparam no auge da emoção. Mas nesse caso, não houve convivência. Em questão de minutos, escrevi, enviei e meu gentil editor incorporou ao livro já a caminho da prensa, atendendo ao meu pedido. E foi assim que a palavra-daninha foi parar nos mais de mil exemplares do livro. Quando notei o erro, ainda liguei para a editora, mas não pude nem começar o lamento: o livro já havia sido impresso e em poucos dias um exemplar estaria nas minhas mãos. Nesta hora foi como se uma nuvem negra houvesse sugado minha energia vital. Fiquei inconsolável, desolada. Meu marido e meus filhos não entenderam tão desmedida frustração. Era apenas uma inofensiva palavra repetida na última página do livro! Acharam uma reação totalmente desproporcional. E foi mesmo! Eu estava absolutamente inconformada e não havia consolo que me animasse. Até que minha filha, com a sabedoria de seus recém-completos sete anos, conjecturou: “Mamãe, o livro não precisa ser perfeito para ser lindo, certo?” E com aquele soco bem dado no meio do estômago que somente uma criança consegue dar, lembrei das incontáveis vezes que repeti aos meus filhos aquele mantra, de que seus lindos desenhos não precisavam ser perfeitos, nas tantas e tantas vezes em que se frustraram e choraram magoados por não acharem o traço ideal. E eu acreditava profundamente no que dizia a eles. Para mim, seus projetos eram sempre lindos, e achava descabida aquela busca sofrida pela perfeição. Mas o desenho, assim como meu livro, era naquele momento o fruto de uma dedicação, de um amor, de uma expressão, de um sonho, e precisava ser o mais impecável possível. Como era difícil entender aquele apego! Agora vejo que precisei encontrar aquele erro para compreender de verdade minha própria lição. A palavra-daninha não vai matar ninguém, não vai tirar o brilho do livro, e talvez tenha acontecido justamente para eu aprender com meus filhos mais uma bela lição.

Shelly Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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