A alegria está presente quando você está de olhos fechados, com o coração solto, borboletando

Quando a tristeza vier bater à sua porta e lhe chamar, não atenda. Não ligue se ela ficar parada por algum tempo esperando alguma resposta; uma hora ela desiste. A tristeza gosta de ganhar espaço e se tornar visita. O seu melhor passatempo é se apresentar como uma velha amiga íntima. Irá voltar ao passado para relembrá-la os momentos que vocês passaram juntas, carregará um trunfo no peito ao lhe rememorar como ela lhe acolheu nos seus braços sombrios. E dirá mais uma vez que ela estará sempre ao seu lado para dividir novas lágrimas, com um sorriso falso no rosto dirá que chorar faz bem para a alma. Afinal, desaguar as emoções não aliviam o peito opresso?

Você está deitada na cama e sobre o seu corpo repousa uma coberta macia e quente. Por alguns instantes, a ideia de receber uma companhia para dividir o espaço vazio não parece tão ruim. Então, você franze a testa, os seus olhos se tornam pequenos e, de súbito, você se lembra que a tristeza já esteve outras vezes debaixo do cobertor, agarrando o seu corpo com mãos pouco macias. Você relembra que tudo o que queria era um abraço cálido, mas a pele da tristeza era fria e causava desconforto. De repente, você queria afastá-la com todas as suas forças, mas, cada vez mais, ela te apertava forte.

Quando tudo parece estar apertado e imóvel, a porta do quarto se abre e entra a alegria. Ela tem o perfume das rosas, os seus passos são cambaleantes e quase se dissolvem no ar de tão leves. A sua presença é rarefeita e parece que quando ela é tocada desaparece como um sopro rápido.

Os seus dedos se tornam inquietos e querem, a todo custo, saber como é a textura da pele da alegria. A cada pequeno toque seu, ela se esvai como uma areia fina, escorrendo por entre os dedos. Você fica irritada porque parece não conseguir alcançá-la com os seus dedos afiados e os seus olhos abertos de coruja.

Nessa hora, a tristeza comprime as suas costelas com um abraço apertado. Os seus olhos se fecham para fugir da dor. E permanecem fechados por algum tempo.

Aos poucos, a dor parece passar. Você não sente mais o abraço sufocante da tristeza, mas borboletas coloridas começam a voar dentro do seu coração. Os giros ondulantes dos seus voos lhe fazem cócegas e fica difícil disfarçar o sorriso de canto que lhe aparece no rosto.

O abraço da tristeza se dissolve, virando cinzas.

De repente, você sente o cheiro de rosas perfumadas entrando nas suas narinas, recebe um abraço caricioso que lhe lembra penas a passear pelo seu corpo, o ar se torna mais leve e convidativo para fazer você voar, junto com as borboletas. De repente, com os olhos fechados, você percebe que a vida é bonita quando você está com ela.

A alegria está presente quando você nem conta com ela, como agora: de olhos fechados e o coração borboletando. E, no espaço vazio, seguro e intocável, há tanta vida que daria para contar histórias lindas em uma tarde de verão. E todos se debruçariam na inquietante espera de ouvir você narrar cada pequenino detalhe, sem chances de escapar a mais insolente minúcia.

E tem tanta gente querendo ouvir você falar, querendo ouvir a sua voz calma e doce como uma sinfonia ao luar. Por que a sua voz se cala e, timidamente, esconde-se por detrás das montanhas altas? Por que não escutam a sua melodia num tom alto e falante?

Muitos esperam por você lá na frente, esperam por suas canções, por seus voos encantados e também por sua alegria que faz o mundo se tornar mundo.

Texto escrito na tardinha de Sábado, 17/04/21 – em homenagem a uma jovem de 24 anos que cometeu suicídio (gostaria que ela tivesse lido).


Saulo de Oliva

Médico, especializado em Psiquiatria. Psicólogo.

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