Essa entidade abstrata que permeia a imaginação de muitos hipócritas, é uma acepção fantasiosa e infantil de quem não consegue aceitar os próprios erros. Essa família tradicional sempre foi disfuncional em diversos aspectos — o que é parte da condição humana. A cultura e as relações se desenvolvem no cenário social, mas os interesses individuais se chocam com valores gerais sobre o que é certo e/ou moral.
Se pensarmos em termos de tempo é fácil constatar isso…
Nos anos 60 as mulheres eram cidadãs de segunda classe. Os casamentos eram realizados de acordo com interesses familiares ou financeiros e a pedofilia era praticamente regra. Quem não conhece famílias assim? Mulheres tendo filhos aos 14 ou 15 anos, entregues pelos pais sem o consentimento da criança?
Nos anos 70, 80 e 90 tivemos algumas revoluções sociais, onde parte do pensamento estava ligado ao passado, — querendo manter as “novinhas” — o que não mudou tanto assim. Todo um esquema de “negócio” e objetificação das mulheres — o que alimentou a misoginia que já existia na sociedade —, enquanto outros aplaudiam a erotização de crianças e adolescentes. Não por coincidência, a “rainha dos baixinhos” era também um símbolo sexual de seu tempo. Houve até uma “paquita” posando para Playboy mesmo sendo menor de idade, com aplauso e aprovação da sociedade conservadora e hipócrita, que demonizava outros enquanto deixavam de olhar para si. Um retrato da ignorância que imperava no período que muitos chamam — com orgulho — de “minha época”.
Tudo isso não passaria sem deixar suas marcas nos homens. A visão distorcida das mulheres e o machismo corroboraram com o que aqui está; várias gerações de homens que não respeitam as mulheres em vários sentidos tornando-as reféns da própria condição de mulher. Uma sociedade impregnada com todos os aspectos culturais aqui relatados — e milhares de outros que não tenho a condição de condensar num único texto —, só pode tratar mal suas mulheres, mas convenhamos que tem algumas pessoas que se esforçam para piorar o que já é péssimo.
Todas essas pessoas são seus avôs e avós, pais e mães, e tudo isso é a sociedade que se divide em famílias. Cada uma delas, a sua e a minha família, por diversos motivos, acabam por não “funcionar”. Somos todos uma miscelânea de erros. Alguns herdados e outros comprados e mantidos como tesouro. Não dá para sermos uma família de propaganda. Somos gente, e com tal não dá para enquadrar em padrões, rótulos ou tradições. Portanto é completamente ingênua a noção de “família tradicional brasileira”. Quem mente para os outros sobre si, está fadado a uma vida de frustração e medo; e quem mente sobre a sua família, só está multiplicando esses fatores.
A quantidade de pessoas sem o nome do pai no registro é absurda. Os que não pagam pensão. Os que não visitam seus filhos ou os abandonam. Os que traem sistematicamente, com homens e mulheres. Os que se entregam ao egoísmo e vivem apenas para si. Os abusadores e pedófilos que babam pelas “novinhas”. Os homossexuais enrustidos que traduzem em ódio o medo de se assumirem. Todos àqueles que não admitem os próprios erros e sua cota de responsabilidade. São esses que estão por aí, defendendo a família tradicional, responsabilizando governos, escolas e professores, sem olhar no espelho. Ignorando uma verdade incômoda e ostentando hipocrisia para todos, sem se dar conta, que no meio desse todos, estão os que sabem que aquilo é mentira. Passando vergonha e deixando registrado toda essa falsidade. Toda essa frustração por não saber lidar com o que repudiam em si transforma-se em ódio e esse tem sido o vetor para toda uma narrativa vexatória onde pessoas buscam expurgar algo de si atacando outros e isso não tem como acabar bem.
Se você quer defender a família, não busque um padrão. As pessoas são muito diferentes, então essa ideia de família tradicional não tem como funcionar dessa maneira. Defenda apenas a sua família. Se cada um fizer isso a sociedade ganhará muito no futuro. Façamos uma autocrítica. A nossa família não é responsabilidade da direita ou da esquerda, a família é de cada um, e cabe a nós buscar melhorar, e não será com posts moralistas nas redes sociais que algo irá mudar, mas sim com diálogo, dentro de casa.