Diário de Gratidão

Uma das empresas onde trabalhei investia muito em cursos de liderança. Fiz alguns deles, mas um dos que mais gostei tinha menos a ver com liderança e mais com energia, equilíbrio e bem-estar. Era um curso chamado “Energy for Performance in Life”, oferecido pela empresa Human Performance Institute, destinado não só a executivos, mas também a atletas profissionais. Assisti à versão reduzida, mas lembro que na época fiquei com vontade de fazer a versão completa, uma imersão de vários dias em um campo de treinamento na Flórida para quem sabe descobrir os segredos para virar um Djokovic do mundo corporativo. Por algum motivo, há alguns meses lembrei desse treinamento e virei a casa do avesso na tentativa de encontrar seus materiais. Infelizmente, constatei que as apostilas foram para a lixeira quando me mudei e decidi que não havia necessidade de me apegar a papeis que poderiam ser reciclados em algo melhor. Consolei-me, recordando que não havia nada radicalmente diferente do que já estamos cansados de saber sobre o que aumenta nossos estoques de energia: alimentação balanceada, exercícios físicos, uma boa qualidade de sono, intervalos frequentes entre atividades desafiadoras e descanso etc.

O material se foi, mas é incrível como alguns ensinamentos que nos tocam de forma especial ficam mais frescos na memória. Em um dos módulos do curso, o instrutor, um homem bastante inspirador, compartilhou uma dica, que, apesar de não fazer parte do conteúdo oficial do curso, funcionava analogamente para atingir os objetivos daquilo que ele estava querendo passar. Tratava-se da confecção de um “diário de gratidão”: ao final de cada dia, antes de dormir, ele escrevia em um caderninho as 5 coisas acontecidas nas últimas 24 horas que o faziam sentir-se grato (pequenos “bullets de gratidão” referentes àquele dia específico), e depois de anos praticando, passou a fazê-lo junto com sua esposa e filhos. Era obviamente uma prática meditativa poderosa (segundo ele, meditação não precisa ser necessariamente em posição de lótus) e eu comecei a exercitar sozinha assim que voltei para casa.  Porém, depois de alguns meses preenchendo o caderninho, aquela prática, apesar de prazerosa, foi naturalmente se dissipando, assim como tantos outros aprendizados que eu havia trazido do curso.  Na minha cabeça, o que importava realmente era o sentimento genuíno de gratidão – à Deus, ao universo, à existência, às pessoas – e não o ato de registrá-lo em papel. Se a gratidão faz parte de mim, não há necessidade do ritual.  Porém, pensando agora a respeito, talvez o grande barato desta ideia, e o que a torna uma tal “prática energética” seja justamente o hábito e o ritual de parar e fazê-lo. Ela passa a ser transformadora, não quando você sente a gratidão em cada célula do seu corpo por algo lindo, mágico ou grandioso, mas sim quando consegue encontrá-la mesmo em meio à confusão de um dia difícil ou conturbado, ao olhar um pouco mais atentamente para suas nuances.

Depois da tentativa frustrada de encontrar as apostilas, lancei-me novamente à busca, porém agora pelo meu diário, e felizmente não tive nenhuma dificuldade de encontrá-lo (há coisas de que é mais difícil de desapegar).  Ele estava esquecido em uma gaveta, com suas várias e várias páginas recheadas de consciência, presença e reconhecimento.  A busca não foi em vão. Foi uma delícia reler aqueles trechos e relembrar, tão nitidamente, um breve período da minha vida, lá se vão muitos anos. E mais incrível ainda, relembrar que as lentes da gratidão estão sempre, sempre, sempre disponíveis, e que podem nos ajudar a transformar a nossa perspectiva sobre quase tudo.

Por Shelly Zaclis Bronstein – Autoterapia


Shelly Zaclis Bronstein

Shelly Zaclis Bronstein escreve crônicas e poemas, é autora do livro Autoterapia e trabalha como executiva de marketing de uma grande multinacional na área de tecnologia. Mora em São Paulo, é casada e mãe orgulhosa do Felipe e da Camila.

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