APEGO

Nós crescemos assim. Ele fica enterrado lá no fundo. Nossos pais nos ensinaram a nos apegarmos, a dar sentido às coisas, acreditando firmemente que nós existimos como uma entidade autocentrada e que as coisas nos pertencem, que são nossas.
É assim que somos ensinados desde o nosso nascimento. Ouvimos uma e outra vez que é assim e penetra nos nossos corações, damos morada a essa crença e lá fica como o nosso sentimento habitual. Somos ensinados a fazer coisas para acumular e segurá-las, vê-las como importantes. Isto é o que os nossos pais sabem, e isso é o que eles nos ensinam. Então o apego entra em nossas mentes, em nossos ossos.

Acreditamos que o desejo é nosso e por isso ele é importante. É o nosso desejo, o nosso querer, o nosso pensamento, a nossa emoção e por acharmos que somos donos, sofremos para defendê-los, realizá-los, porque a não realização, o não conseguir, nos afeta tremendamente.

O desejo quando não alimentado por nosso apego, nossos pensamentos, nosso querer, acaba. Morre. Tão logo surge, desaparece. Assim é também com todas as outras emoções: elas surgem e desaparecem se não forem alimentadas por nossas crenças, pensamentos e ações.

As emoções são só emoções. Os pensamentos são só pensamentos. Os desejos são só desejos. É o que acrescentamos a eles que nos gera sofrimento. O quanto acharmos que precisemos deles par sermos felizes, é o quanto de esforço que empreenderemos para realizá-los. No entanto, a cada desejo realizado, surge um novo e todo o ciclo de alimentação se repete. Estamos sempre exaustos querendo realizar mais, desejando mais, buscando mais. É a sede que nunca termina. Bebemos água, mas continuamos com sede.

Quando tomamos interesse em meditação não é fácil entender o que significa realmente não nos apegarmos… Somos ensinados para não ver e fazer as coisas de maneira real, então quando ouvimos o ensinamento, ele não penetra na mente; só ouvimos com os nossos ouvidos. As pessoas não sabem ser.
Então, sentamos para ouvir os ensinamentos, mas é só som que entra no ouvido. Eles não ficam por dentro, não nos afetam.

O sábio disse que mover uma montanha de um lugar para outro é mais fácil do que remover o apego das pessoas.
Não importa se estamos satisfeitos ou chateados, felizes ou sofrendo, cantando canções ou derramando lágrimas, não importa – se estamos vivendo neste mundo dessa maneira, estamos em uma gaiola. Nós não vamos além. Nesta condição de estar em uma gaiola, mesmo que você seja rico, você está vivendo em uma gaiola. Se você é pobre, você está vivendo em uma gaiola. Se você cantar e dançar, você está cantando e dançando em uma gaiola. Se você assistir a um filme, você está vendo-o em uma gaiola.

O que é esta gaiola? É a gaiola de nascimento, do envelhecimento e da morte. Desta forma, estamos presos no mundo. ‘Isso é meu.’ ‘Isso me pertence.’ Nós não sabemos o que realmente somos ou o que estamos fazendo. Na verdade, o que todos nós estamos fazendo, é acumulando sofrimento para nós mesmos. Não é que algo distante nos faça sofrer, sofremos por não olharmos para nós mesmos.
Não importa o quanto de felicidade e conforto tenhamos, tendo nascido, não podemos evitar o envelhecimento, a doença e a morte.

Podemos sempre ser atingidos pela dor ou doença. Pode acontecer a qualquer momento. Quando acontece, sentimos como se tivéssemos sido roubados, como se nos tirassem alguma coisa, mas a verdade é que tudo pode nos ser tirado a qualquer momento. Essa é a nossa situação.
Há perigo e problemas. Nós existimos entre essas coisas que entendemos como prejudiciais: nascimento, envelhecimento e doença, reinando sobre nossas vidas.

Não podemos fugir deles e ir para outro lugar. Eles podem chegar a qualquer momento, nos pegar – qualquer momento pode ser uma boa oportunidade para eles. Então temos de ceder a eles e aceitar a situação.
O Buda resumiu as coisas dizendo que tudo aparece e desparece, não tem mais nada fora isso.
Isso é difícil de ouvir. Mas quem realmente conseguir viver assim, sem se apossar de nada, vive com facilidade, em qualquer lugar, de qualquer modo e em qualquer circunstância. Essa é a verdade.
A verdade é que, neste mundo, ninguém faz nada para ninguém. Não há motivo para se tornar ansioso. Nada há para nos fazer chorar, nada há para rir. Nada é inerentemente trágico ou delicioso. Mas é essa experiência da maioria das pessoas, é o que é comum na vida delas.
Relacionamo-nos com os outros dessa maneira comum de ver as coisas, mas pensando de maneira comum, sofremos.

Na verdade, se realmente conhecemos essa verdade e vemos continuamente, nada é nada; existe apenas momentaneamente, surgindo e passando. Não há felicidade ou sofrimento real. O coração está em paz.
Deneli Rodriguez.
31.07.2017.
*livremente inspirado nos ensinamentos de Ajahn Cha e de Charlotte Beck.


Deneli Rodriguez

Pensadora, escritora e artista. Menção honrosa Itaú Cultural com seu texto "A Menina Iluminada". Concorrente aos prêmios Oceanos e Kindle de literatura. Livros: A Menina Iluminada e A Buda. Filmes: Charlote SP, primeiro longa metragem brasileiro filmado com celular, dirigido por Frank Mora; e Deneli, curta metragem vencedor de prêmios internacionais dirigido por Dácio Pinheiro.

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