Uma série e os 13 porquês

(…) é precisamente a partir do momento em que o sujeito morre que ele se torna, para os outros, um signo eterno, e os suicidas mais que os outros.” (Lacan, 1957-58, p.254).

Uma série várias questões. Indiferença, abandono, abusos psicológicos e sexuais , enfim, o bullying no ambiente escolar e fora dele. O suicídio e suas consequências. Mas, tirar a própria vida e gravar uma série de fitas (parte retrô da narrativa) revelando os segredos de seus “algozes” e os 13 motivos que a levaram ao suicídio não seria uma forma de perpetuar a existência? Talvez sim, uma vez que numa gravação, ainda viva, se dizia morta no real e, no início da trama, virtualmente pelo viral cyberbulling.

Há uma coisa interessante. É a saída da cena que caracteriza a passagem ao ato, em Psicanálise. Hannah Baker não saiu. Permanece na trama revelando uma (in)existência vingativa. Há uma necessidade da personagem em ser escutada, em ser visível. Ela fala. Como? Gravando num aparelho que só ela controlava o play, a fita e o microfone. Por um momento, o dito, a fez pensar sobre a decisão de acabar com seu mundo. Contudo, apenas ela entedia suas questões. O “conselheiro” atrapalhou mais do que ajudou. Baker queria ser escutada. A maneira que encontrou para isso foi se tornar invisível pondo um fim à própria existência. Pela primeira vez estava no controle do seu destino. Sem likes, compartilhamentos e constrangimentos em rede.

Lembro do primeiro episódio de Terra Dois, com o psicanalista Jorge Forbes e a atriz Maria Fernanda Cândido, em que o tema era a morte. “Hoje podemos mais do que desejamos. Esse aspecto fica muito evidente na definição da hora da morte. O que era ‘morte natural’ passou a ser morte escolhida, uma vez que a tecnologia prolonga em muito a vida mecânica”, Forbes (2017). No caso da série em questão há um recurso tecnológico, o gravador cassete, para dar o tom de passado às aparições da personagem Hannah Baker.

A experiência e o novo olhar cultural, ao contrário de tempos anteriores, deve estabelecer novas formas de viver e se relacionar com o outro. Reinventar novas maneiras de abordar questões complexas como o suicídio não deve ser uma ameaça. Ao menos falamos sobre o assunto.  A repercussão da série e as críticas tem lá suas razões. Palmas para a Netflix que mais uma vez sai na frente e mostra o que não queremos ver, mas convivemos com tudo isso diariamente em nosso mundo fechado para balanços morais e preconceituosos.

‘13 Reasons Why’ (nome da série) é um grande espelho. Cada um se identifica com as reações e omissões dos personagens. Quem nunca foi apaixonado e teve receio e se declarar como Clay Jensen? São dramas humanos, adolescentes com seus dilemas, transformações e intimidações paralelos aos de Baker.

A título de informação, a série é baseada no romance ‘Thirteen Reasons Why’ do escritor Jay Asher publicado em 2007. Foi lançado no Brasil em Portugal. O livro alcançou o primeiro lugar no New York Times bestseller em Julho de 2011.

A narrativa é dramática, a história de Hannah no livro foi bem escrita. Quem diria que estar no topo da lista de “Melhor bunda do primeiro ano” acarretaria tantas consequências.

Não gostamos de finais infelizes. Apesar da maioria dos expectadores achar os vilões fascinantes, no fim temos a esperança do bem vencer o mal. Contudo, não há mocinhos e bandidos na história. E, desde o início, já sabemos como termina a história. O fim é o começo.

roneyamoraes.blogspot.com.br


Roney Moraes

Psicanalista; Especialista em Saúde Mental e Dependência Química; Mestre em Filosofia da Religião; Doutor em Psicologia (Dr.h.c); Doutorando em Psicanálise (Phd); Analista Didata da Escola Freudiana de Vitória (Acap); Ex-presidente e membro da Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Apees); Coordenador do Centro Reviver de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas (Crepad); Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL).

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