A solidariedade pode melhorar o mundo

Por Zygmunt Bauman, traduzido por Moisés Sbardelotto

Pelo que eu saiba, foi um economista, o professor Guy Standing, que cunhou (e acertou em cheio!) o termo precariat. Ele o fez para substituir ao mesmo tempo os termos proletariado e classe média, que já haviam atingido amplamente a data de validade e haviam se tornado “termos zumbis”, como certamente teriam sido definidos por Ulrich Beck.

Como sugere o blogueiro que se esconde atrás do pseudônimo Ageing Baby Boomer (isto é, um filho do baby boom com muitos anos de idade), “é o mercado que define as nossas escolhas e nos isola, impedindo que qualquer um ponha em discussão o modo em que essas escolhas são definidas. Quem faz a escolha errada será punido. Mas o que torna o mercado tão cruel é o fato de que ele não se dá conta minimamente de que certas pessoas estão muito melhor equipadas do que outras a escolher bem, porque possuem o capital social, o saber ou os recursos financeiros”.

O que “unifica” o precariado, o que mantém unido esse conjunto extremamente diversificado, tornando-o uma categoria coesa, é a sua condição de máxima fragmentação, pulverização, atomização. Todo os precários sofrem, independentemente da sua proveniência ou pertencimento, e cada um sofre sozinho. Porém, todos esses sofrimentos suportados individualmente mostram uma surpreendente semelhança entre si. Reduzem-se a uma única coisa: a pura e simples incerteza existencial, uma assustadora mistura de ignorância e de impotência que é fonte inexaurível de humilhação.

Contudo, esses sofrimentos não se somam, ao contrário, se dividem e separam aqueles que os sofrem, negando-lhes o conforto de um destino comum, e fazem parecer risíveis os apelos à solidariedade.

Essa condição, muito visível embora se tente dissimulá-la com todos os meios, testemunha que as autoridades – que têm o poder de conceder ou negar direitos – recusaram-lhes os direitos reconhecidos a outros seres humanos, “normais” e, portanto, respeitáveis. Desse modo, ela testemunha, indiretamente, a humilhação e o desprezo de si que são uma consequência inevitável do aval, por parte da sociedade, da indignidade e da ignomínia que atinge algumas pessoas.

A política emergente – a desejada alternativa a mecanismos políticos já desacreditados – tende a ser horizontal e lateral, ao invés de vertical e hierárquico. Para mim, ela lembra um enxame: como enxames de insetos, alianças e reagrupamentos são criações efêmeras, fáceis de unir, mas difíceis de manter unidas pelo tempo necessário para “se institucionalizarem”, isto é, para construírem estruturas duráveis. Elas podem se virar sem quartéis generais, burocracia, líderes, supervisores ou chefes. Unificam-se e se dispersam quase espontaneamente e com a mesma facilidade. Cada momento da sua vida é intensamente apaixonado, mas notoriamente as paixões intensas desaparecem rapidamente. Não se pode erigir uma sociedade alternativa sobre a paixão unicamente: a ilusão da sua viabilidade consome grande parte das energias que se exigiria para construí-la.

Se as revoluções não são produtos da desigualdade social, os campos minados sim. Os campos minados são áreas disseminadas de explosivos espalhados ao acaso: pode-se ter a certeza de que, uma vez ou outra, algum deles irá explodir, mas qual e quando não se pode determinar com algum grau de certeza. Como as revoluções sociais são eventos com um propósito e com um objetivo, é possível fazer algo para localizá-las e frustrá-las a tempo, enquanto isso não vale para as explosões dos campos minados.

Quando o campo minado foi predisposto por soldados de um exército, pode-se enviar outros soldados, pertencentes a um outro exército, para extrair as minas e desarmá-las: “O soldado antibombas erra uma só vez”. Mas esse remédio, embora insidioso, não está disponível no caso dos campos minados predispostos pela desigualdade social: quem deve semear as minas e depois extraí-las é o mesmo exército, que não pode deixar de adicionar novos dispositivos aos velhos, nem evitar colocar o pé em cima mais e mais vezes. Semear minas e cair vítimas das suas explosões são uma mesma coisa.

Todas as variedades de desigualdade social brotam da divisão entre ricos e pobres, como Miguel de Cervantes Saavedra já observava há meio milênio. No entanto, em épocas diversas, possuir ou não possuir objetos diversos são, respectivamente, a condição mais apaixonadamente desejada e a mais apaixonadamente sofrida.

 Dois séculos atrás, na Europa, ainda há poucas décadas em alguns lugares distantes da Europa, e ainda hoje em alguns campos de batalha de guerras tribais ou parques de diversões das ditaduras, o objetivo principal que opunha em conflito ricos e pobres era pão ou o arroz. Graças a Deus, à ciência, à tecnologia e a certos expedientes políticos razoáveis, não é mais assim.

No entanto, isso não quer dizer que a velha divisão esteja morta e sepultada: ao contrário… Hoje em dia, os objetos do desejo cuja ausência é mais agudamente sentida são muitos e variados, e o seu número aumenta dia após dia, assim como as tentações para obtê-los.

E assim crescem a ira, a humilhação, o rancor e o ressentimento suscitados por não tê-los. E com eles o desejo de destruir o que você não pode ter. Saquear as lojas e dar-lhes chamas são gestos que podem derivar do mesmo impulso e gratificar o mesmo desejo.

Hoje, os europeus são 333 milhões, mas dentro de 40 anos, na atual taxa média de natalidade (já em queda em todo o continente), cairão para 242 milhões. Para preencher a lacuna serão necessários ao menos 30 milhões de novos desembarques, senão a nossa economia europeia sofrerá um colapso, e com ela o padrão de vida que prezamos tanto. Mas como podemos integrar comunidades diferentes?

Em um pequeno mas interessante estudo, Richard Sennett sugere que “uma colaboração informal e sem limites prefixados é a melhor maneira de fazer a experiência da diferença”. Nessa frase, cada palavra é decisiva. “Informalidade” significa que não há regras de comunicação pré-estabelecidas: tem-se a confiança de que se autodesenvolvam na medida em que aumenta o alcance, a profundidade e a significância da comunicação: “Os contatos entre pessoas dotadas de competências ou de interesses diferentes são ricos quando são desordenados, e fracos são regulamentados”.

“Sem limites prefixados” significa, além disso, que o resultado deveria seguir uma comunicação presumivelmente prolongada, ao invés de ser pré-estabelecido de modo unilateral: “Deseja-se descobrir a outra pessoa sem saber onde isso o levará. Em outros termos, deseja-se evitar a férrea norma da utilidade que estabelece um propósito – um produto, um objetivo político – fixado antecipadamente”.

E, por fim, “colaboração”: “Supõe-se que as várias partes ganhem todas com a troca, e não que uma só ganhe às custas das outras”. Eu acrescentaria: é preciso aceitar que, nesse jogo particular, tanto ganhar quanto perder só são concebíveis juntos. Ou todos ganhamos ou todos perdemos. Tertium non datur.

Sennett resume a sua sugestão como segue: “Os escritórios e as ruas se tornam desumanos quando dominam a rigidez, a utilidade e a competição. Tornam-se humanos quando promovem interações informais, sem limites prefixados, colaborativas”.

Eu penso que todos nós, que somos chamados e desejamos ensinar, poderíamos e deveríamos aprender a nossa estratégia com esse triplo preceito, lacônico mas abrangente, expresso por Richard Sennett. Aprender nós mesmos a pô-la em ato, mas também – e isto é o mais importante – transmiti-la àqueles que são chamados e desejam aprender conosco.

Zygmunt Bauman traduzido por Moisés Sbardelotto


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