Felicidade

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Esta semana li uma citação maravilhosa de Schopenhauer.

“A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê”.

Sim, concordo com estas palavras. A grande sacada é extrair do aparentemente óbvio e comezinho , algo inusitado.

É analisar uma velha questão sob uma nova perspectiva. É captar algum detalhe que passou batido para a maioria das pessoas. É ver oportunidade onde todos veem crise ou ver crise onde todos veem oportunidade. É encarar o lado B de tudo e de todos. É ir além das aparências. Não se contentar com o oficial.

Porém, ter um olhar inusitado sob a vida é uma faca de dois gumes. Se por um lado, nos coloca em uma posição privilegiada em algumas situações, pode ser a fonte de muitos dissabores e angústias.

Ter um olhar mais sensível e perspicaz a respeito da realidade, nos conduz às melhores alegrias da vida, mas também às mais dilacerantes tristezas.

Normalmente , o que as pessoas querem? Um bom emprego que permita que as contas sejam pagas no final do mês. Um relacionamento amoroso para mostrar à sociedade que tem um parceiro/parceira. Posses que garantam status como carro do ano, um smartphone que faça a limpeza do apartamento e diga boa noite, uma casa grande , um outro imóvel em alguma cidade de montanhas ou na praia ( depende do gosto de cada um) Tem gente que quer os dois, mesmo que não frequente assiduamente nenhum.

Enfim, a maioria quer uma vida estilo selfie. O importante é aparentar prosperidade, felicidade, realização. Se eu ganho bem no meu emprego, sou bem sucedido. Será mesmo? Tem muita gente ganhando muito bem, mas que tem uma vida triste e vazia pois trabalha naquilo que odeia. Muita gente espera desesperadamente pelas férias e feriados pois não encontra prazer algum no seu trabalho. Obviamente , todo mundo gosta de férias. Mas quem aprecia o seu trabalho, encara as férias como um período para repor energias. Quem odeia, vê nas férias uma espécie de salvação.

Se eu tenho um parceiro amoroso , eu amo e sou amado. Será mesmo? Tem muita gente tentando provar a si mesmo que está feliz com o parceiro por meio da ostentação social. Exibe em público e nas redes sociais uma alegria e uma cumplicidade inexistentes na intimidade. O prazer que não se tem na cama, a falta de assuntos e interesses em comum são “recompensadas” por mensagens pasteurizadas nas redes sociais ou demonstrações de afeto caricatas em público.

Se eu tenho o carro do ano, o smartphone multiuso, um apê na praia , um chalé nas montanhas, eu sou alguém que deu certo na vida. Será mesmo? Talvez , muita gente acredite realmente que a felicidade está em ter e que um apartamento na praia ou um chalé nas montanhas vai saciar a sua fome de prazer. Mas quem tem estilo e sabe viver, transforma um apartamento de 50 metros quadrados num lugar perfeito para bem receber e viver bons momentos.

Não estou criticando quem tem o carro do ano etc etc etc Nem quero dizer que desprezo o conforto de uma casa grande. O que quero simplesmente dizer é que a felicidade de uma pessoa não se encaixa numa pesquisa do IBGE. O buraco é muito mais embaixo. As feridas são muito mais profundas e delicadas.

Ter uma boa situação financeira nos ajuda sim a superar crises e maus momentos, nos proporciona conforto e facilidades muito prazerosas ( tal fato é inegável) mas não nos garante uma vida feliz. Até mesmo porque a felicidade nunca vem de fora.

Ela pode ser estimulada por elementos externos ( posses, relacionamentos , oportunidades profissionais , viagens , estudos etc) mas ela cai por terra se não encontrarmos forças e um equilíbrio maior dentro de nós mesmos. Caso contrário, não teria tanta gente com cara deprimida em hotéis e restaurantes de luxo e tanta gente rindo em barzinhos meia boca.

Caso contrário, não teria tanta gente solteira viajando, curtindo com os amigos, passeando, aprendendo, estudando, se desenvolvendo enquanto muita gente acompanhada fica estagnada, não cresce em nada , para no tempo e no espaço.

Caso contrário, não teria tanta gente antissocial e solitária vivendo em grandes casas enquanto muita gente recebe super bem os amigos em um quarto e sala.

Também não quero dizer que todo pobre é bem humorado e feliz. Tem muito pobre fazendo cara feia o tempo todo. Em suma…a vida é complexa! E entender a felicidade têm sido um dos grandes desafios da Humanidade.


Sílvia Marques

Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas. Escritora compulsiva, atriz por vício, professora com alma de estudante. O mundo é o meu palco e minha sala de aula , meu laboratório maluco. Degusto novos conhecimentos e degluto vinhos que me deixam insuportavelmente lúcida. Apaixonada por artes em geral, filosofia , psicanálise e tudo que faz a pele da alma se rasgar. Doutora em Comunicação e Semiótica e autora de 7 livros. Entre eles estão "Como fazer uma tese?" ( Editora Avercamp) , "O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas" e "Sociologia da Educação" ( Editora LTC) indicado ao prêmio Jabuti 2013. Sou alguém que realmente odeia móveis fixos.

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