Acabou a luz.
Comecei a ler um livro sobre o amor, mas a escuridão, a chuva e o vendaval convidavam a uma leitura mais sobrenatural.
A luz da velha vela que derretia rapidamente iluminava com dificuldade as capas dos livros que eu procurava na minha pequena biblioteca. Passando pela mesa me dei conta que ainda não tinha guardado as recentes histórias em quadrinhos que comprei dos meus recentes amigos talentosos.
Confesso que compro histórias em quadrinhos mais pelos desenhos do que pelos roteiros. É mal de desenhista e ao mesmo tempo uma enorme contradição.
Vendo aqueles desenhos de seres híbridos, serpentes, retratos de viagens interiores, comecei a ler.
Numa sessão de respiração holotrópica a pessoa consegue acessar o momento do nascimento, o que significa reviver o processo com todo o esforço (ou não esforço) que o bebê faz para nascer. Achei muito interessante me dar conta disso. Nunca tinha parado para pensar o quanto o bebê também precisa se esforçar para nascer, o quanto de impressões podem ser registradas nesse momento. A saída do interior para o exterior e a quantidade de mudanças bruscas a que somos expostos no momento do nascimento.
É chocante nascer.
Nessa tese da respiração holotrópica, muitos dos problemas de segurança, confiança, medo, entrega, estão relacionados ao como foi esse nascer.
Se nascemos sozinhos (parto natural) seremos adultos seguros e fortes.
Se formos tirados por alguém, como numa cesariana, por exemplo, seremos inseguros, fracos, medrosos.
Sair sozinho num parto natural é sinal de força e vitória e esse registro fica no inconsciente pautando como nos comportaremos na vida.
Revivendo (interessante que exista essa palavra no dicionário) a experiência é possível acessar as emoções daquele momento, mas agora, quando adultos, de maneira consciente,”resignificando” (interessante que não exista essa palavra no dicionário) e aprendendo para nos livrarmos das travas inconscientes.
Anteriormente tinha lido uma história em que o aprendizado do personagem era “nunca oferecer medicina para desconhecidos” em que em uma viagem astral, o personagem principal chega numa aldeia indígena e tenta se enturmar.
Interessante pensar sobre oferecer ou não medicina. Tinha passado recentemente por esse questionamento. Saber que posso fazer algo para ajudar alguém numa questão de doença e não dizer? Ou dizer?
Qual o limite de interferência que podemos fazer na vida do outro ainda que achemos que podemos ajudar, que podemos ser úteis?
O quanto o outro precisa da dor e da doença para manter a sua identidade?
Poderemos nos livrar completamente desses registros inconscientes?
A desconstrução da identidade não implica na construção de uma nova identidade? É possível viver sem construção, sem condicionamento?
Existe liberdade?
Deneli Rodriguez.
*Texto inspirado na HQ Cartografias do Inconsciente da Editora Reverso.
**Respiração Holotrópica, técnica de respiração