Sobre a solidão do sentir e conhecer

Não é preciso muito para visualizar solidão nesse mundo, basta olhar o modo como as pessoas estão olhando para seus próprios passos e para os passos daqueles que caminham ao lado. A solidão é evidente, está escancarada. A solidão é um fato dificilmente escondido. Talvez, um leitor disposto à discórdia esteja querendo apontar que é possível que não seja bem assim, porque toda vez que o mesmo sai depara-se com pessoas conversando, pessoas de mãos dadas, sorrisos e celulares constantemente tocando, mostrando que há mensagens a serem lidas. Talvez acusem-me de estar “apimentando” a realidade humana com um pouco de drama, inspirada falhosamente nos trágicos gregos.

Pode ser.

Não discutirei, não faz meu tipo.

Entretanto, caminhe comigo por apenas alguns minutos;

É sempre fundamental esclarecer alguns pontos antes de qualquer outra coisa, a fim de não corrermos o risco de cair em interpretações errôneas sobre o que quer que seja.  Nesse caso, lhe digo; esta poderia ser uma ode à solidão, mas não é. Poderia porque é factual que o isolamento, assim como pode ser doloroso, também pode trazer inúmeros benefícios, salvando-nos frequentemente da futilidade, do embrutecimento, aproximando-nos cada vez mais do autoconhecimento, dando-nos ferramentas para o retorno às relações. Bem sabe Zaratustra.

Cultivo ainda a vontade de falar a respeito da solidão como ferramenta para o abandono da selvageria na qual estamos imersos, como antídoto para a liquidez das relações, como mola propulsora para uma vida mais fiel a nós mesmos, entretanto, sem mais delongas, deixamos isso para outro momento, porque a solidão aqui diz respeito ao nosso olhar para o mundo, como tentei indiciar no início.

A solidão da qual me refiro não é opcional, não é escolher isolar-se das pessoas. Falo da solidão acompanhada, da solidão como condenação simplesmente por nascermos na condição humana. Se a liberdade é uma condenação, como bem nos lembrou o filósofo Jean Paul Sartre, a solidão também o é. Isso porque o sentir é solitário, isso porque devemos conviver com nós mesmos sem que ninguém possa ver nossa verdadeira morada, ainda que possamos abrir as portas, ainda que possamos falar a respeito de nossas dores e alegrias. Ninguém jamais poderá ver o que vemos, sentir o que sentimos. Há inúmeras semelhanças entre as pessoas, mas nenhuma identidade.

O conhecimento possui dois pilares principais, sem os quais qualquer saber está impossibilitado, estes são; o sujeito e o objeto, obviamente. Quando falamos em objeto, podemos falar em objetividade, sobretudo se pudéssemos conceber um realismo ingênuo:

Todos começamos com o “realismo ingênuo”, isto é, a doutrina de que as coisas são aquilo que parecem ser. Achamos que a grama é verde, que as pedras são duras e que a neve é fria.
Mas a física nos assegura que o verdejar da grama, a dureza das pedras e a frieza da neve não são o verdejar da grama, a dureza das pedras e a frieza da neve que conhecemos em
nossa experiência própria, e sim algo muito diferente.” Bertrand Russell

Não creio que possamos conhecer a coisa em si, não creio que tudo que vemos seja exatamente como vemos, no entanto, essa também não é a discussão por aqui. O ponto em questão é que na metade referente ao objeto, independentemente de os vermos como são ou não, temos algo de seguro, o que não acontece com a metade restante, a saber, o sujeito conhecedor. Quem conhece, conhece a partir de si mesmo, conhece sozinho, conhece de forma subjetiva e nesse ponto, meus queridos, encontramos a solidão da qual me refiro, e, arrisco dizer, que aqui também está a chave para uma eudemonologia, a chave para uma vida mais alegradora.

Explico-me:

Se a parte subjetiva do conhecimento estiver com lentes embaçadas, se tivermos mentes embotadas vamos estragar nossa visão das coisas. Ou seja, você verá a vida na medida exata de sua riqueza interior. Inúmeros filósofos defenderam a ideia de que a base para uma melhora significativa na vida humana está nesse caminho, porém parece que nossas lentes estão cada vez mais sujas, ou talvez seja devido ao fato de que nossas lentes para o mundo estão sendo confundidas com telas de celular, na qual colocamos nossos dedos e deixamos nossas marcas sem uma reflexão aprofundada sobre o que estamos, de fato, vendo/vivendo.


Isadora Tabordes

Fundadora dos sites Vida em Equilíbrio e Demasiado Humano. Graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente é mestranda em Filosofia Moral e Política pela mesma universidade, trabalhando questões sobre o conceito de liberdade com ênfase no idealismo alemão.  Isadora também está presente no Youtube através do seu canal Relatos de Motocicleta.

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