As paixões opõem-se às paixões, e podem servir de contrapeso umas às outras; mas a paixão dominante não se pode conduzir senão pelo seu próprio interesse, real ou imaginário, porque ela reina despoticamente sobre a vontade, sem a qual nada se pode. Contemplo humanamente as coisas, e acrescento nesse espírito: nem todo o alimento é próprio para todos os corpos; nem todos os objetos são suficientes para tocar determinadas almas. Quem acredita serem os homens árbitros soberanos dos seus sentimentos não conhece a natureza; consiga-se que um surdo se divirta com os sons encantadores de Mureti, peça-se a uma jogadora, que está a jogar uma grande partida, que tenha a complacência e a sabedoria de se enfadar durante a mesma, nenhuma arte pode fazê-lo.
Os sábios enganam-se quando oferecem a paz às paixões: as paixões são inimigas dela. Eles elogiam a moderação para aqueles que nasceram para a ação e para uma vida agitada; que importa a um homem doente a delicadeza de um festim que lhe repugna? Nós não conhecemos os defeitos de nossa alma; mas ainda que pudéssemos conhecê-los, raramente haveríamos de os querer vencer.
As nossas paixões não são distintas de nós mesmos; algumas delas são todo o fundamento e toda a substância da nossa alma. O mais fraco dos seres iria querer perecer para se ver substituído pelo mais sábio? Dêem-me um espírito mais justo, mais amável, mais penetrante, aceito com alegria todos esses dons; mas se me tiram também a alma que deve desfrutar dele, esses presentes não são nada para mim.
Isso não dispensa ninguém de combater os seus hábitos e não deve inspirar aos homens nem abatimento nem tristeza. (…) A virtude sincera não abandona os seus amantes; os próprios vícios de um homem bem nascido podem passar a contribuir para a sua glória.
Luc de Clapiers Vauvenargues, in ‘Das Leis do Espírito’