Desde o início da pandemia do novo coronavírus, cientistas e governos têm aconselhado as pessoas sobre as melhores práticas de higiene para se protegerem. Esse conselho causou um aumento significativo na venda e no uso de produtos de limpeza, álcool em gel e desinfetantes para as mãos. Infelizmente, essas instruções raramente vêm com orientações sobre como usá-las com responsabilidade ou sobre as consequências de seu uso indevido.
Mas, como no uso indevido de antibióticos, o uso excessivo de produtos de limpeza e desinfetantes para as mãos pode levar à resistência antimicrobiana das bactérias. Há uma preocupação de que o uso excessivo desse material durante a pandemia possa levar a um aumento no número de espécies bacterianas resistentes a antimicrobianos.
Isso colocaria uma pressão maior em nossos sistemas de saúde, já em dificuldades, potencialmente levando a mais mortes. Além disso, o problema pode continuar para muito além do fim da pandemia atual.
Antimicrobianos (incluindo antibióticos, antiprotozoários, antivirais e antifúngicos) são importantes para a nossa saúde. Eles nos ajudam a combater infecções, principalmente se o seu sistema imunológico estiver fraco ou comprometido.
No entanto, alguns organismos (como bactérias) podem mudar ou sofrer mutações após serem expostos a um antimicrobiano. Isso os torna capazes de resistir aos medicamentos projetados para matá-los. À medida que o uso, correto e indevido, desses produtos se tornam mais disseminados, o número de cepas resistentes aumenta — e as infecções que antes eram facilmente tratadas agora estão se tornando fatais.
Os processos que levam à resistência antimicrobiana são muitos e variados. Uma rota é por meio da mutação. Algumas mutações ocorrem após o DNA da bactéria ter sido danificado. Isso pode acontecer naturalmente durante a replicação celular ou após a exposição a produtos químicos genotóxicos, que danificam o material genético da célula. Outra via é quando o microrganismo adquire genes resistentes de outra bactéria.
Geralmente (e corretamente) associamos a resistência antimicrobiana ao uso indevido de medicamentos, como antibióticos. O uso indevido pode incluir hábitos como a falha na conclusão de um curso de antibióticos ou ignorar os intervalos diários de dose. Ambos podem aumentar a chance das cepas das bactérias mais resistentes de uma população sobreviverem e se multiplicarem.
Mas as bactérias também podem adquirir resistência após o uso inadequado ou excessivo de certas substâncias químicas, incluindo produtos de limpeza. Diluir agentes desinfetantes ou usá-los de forma intermitente e ineficiente pode fornecer uma vantagem de sobrevivência para as cepas mais resistentes. Em última análise, isso leva a uma maior resistência geral.
Para piorar a situação, os “especialistas” da internet e das mídias sociais oferecem conselhos sobre como fazer desinfetantes e álcool em gel caseiros para as mãos que, segundo eles, podem matar o vírus. Mas, para a maioria desses produtos, não há evidências de que sejam eficazes. Também não há consideração sobre possíveis efeitos adversos do uso deles.
O que sabemos é que muitos desses produtos caseiros contêm ingredientes como álcool que, nas quantidades certas, possui propriedades antibacterianas. Qualquer coisa antibacteriana tem o potencial de aumentar a resistência antimicrobiana.
Ingredientes comuns
Como toxicologista, estou preocupado com o fato de que mais microrganismos possam se tornar resistentes a antimicrobianos como resultado de mutações — causadas principalmente pela exposição a produtos químicos encontrados em materiais de limpeza e de higienização das mãos comprados em lojas e feitos em casa. Muitos deles (incluindo fenóis e peróxido de hidrogênio) têm o potencial de danificar ou alterar o DNA e, às vezes, são chamados de agentes genotóxicos.
Uma pequena quantidade de dano ao DNA decorrente do metabolismo celular normal é comum, particularmente na multiplicação rápida de bactérias, e esse dano é normalmente reparado da forma correta. Mas se houver prejuízos extensos no material genético ou se o reparo não estiver correto, a célula poderá não sobreviver.
No entanto, é mais provável que ocorram mutações nos poucos casos em que a genotoxicidade não é reparada com precisão e a célula sobrevive. Algumas dessas células podem criar uma vantagem de sobrevivência, como resistência antimicrobiana. Quanto mais frequentes os eventos genotóxicos, maior a probabilidade de algumas células sobreviventes adquirirem essa resistência antimicrobiana.
Muitos dos ingredientes de vários agentes de limpeza e desinfetantes para as mãos recomendados pela Organização Mundial da Saúde têm o potencial de causar danos ao DNA e podem levar às mutações necessárias para a resistência antimicrobiana.