Tal como uma pedra bruta carrega em si infinitas possibilidades e formas, desde as mais sórdidas, às mais sublimes e extraordinárias, o homem, em seus primeiros momentos existenciais, encontra-se mais próximo da animalidade do que de sua humanidade, dessa forma, requer disciplina, cultivo, civilidade e por fim; moralidade, dito de outro modo, o ser humano precisa ser lapidado para que seja capaz de distanciar-se de sua condição meramente mecanicista, determinada e passe, a partir do uso de sua razão, agir livremente.
Considerando, portanto, a posição filosófica kantiana, na qual pensamos o homem como aquilo que a educação faz dele, o processo de aperfeiçoamento humano deve acontecer por meio dessa arte da educação, a qual poderá tornar o homem tudo aquilo que ele é capaz de ser. Evidentemente, o destino dessa jornada, segundo um legítimo iluminista, não poderia ser se não, um desenvolvimento progressivo da espécie, a partir do desenvolvimento intenso das disposições naturais. O seu estágio final é, então, o moralizar humano, e embora a mesma não possa tornar indivíduo algum moral, ela o preparará para a decisão de ser ou não um sujeito esclarecido, dessa forma, aquele que atravessou o portal entre o âmbito nebuloso da covardia e preguiça, característicos da menoridade, para a luz do esclarecimento, estará libertando-se do despotismo dos instintos inatos à rudeza da natureza humana, intrínsecos ao estado anterior ao seu cultivo e polimento.
A humanidade está destinada, segundo Kant, a sair desse estado animalesco, pois, parte de um estágio natural, no qual lhe foi concedida a possibilidade do uso da razão… Entretanto, o foi outorgado também a responsabilidade de desenvolvimento de tal faculdade uma vez que ela não foi dada como um projeto acabado, mas como condição de possibilidade de buscarmos o aperfeiçoamento de nossas disposições naturais. Conduzindo tal situação às máximas consequências e enfatizando o fato da impossibilidade de uma moralidade imediata, torna-se enriquecedor também recordar uma passagem kantiana encontrada na Antropologia de um Ponto de Vista Pragmático na qual o autor faz a prescrição de três máximas que conduzem o ser humano à sabedoria:
“Exigir sabedoria, como ideia do uso prático, legal e perfeito da razão, é por certo exigir muito do ser humano; mas nem mesmo num grau mínimo um outro pode infundir sabedoria nele, já que tem dele retirá-la de si mesmo. A prescrição de alcançar esse fim contém três máximas que conduzem a ele: 1. Pensar por si mesmo, 2. Colocar-se no lugar do outro (na comunicação com seres humanos), 3. Pensar sempre em concordância consigo mesmo.” (KANT, 2006, p. 98 – 99).
Não há instinto que guie o ser humano naturalmente à educação, trata-se de uma ferramenta construída com o próprio esforço mental, no entanto, também não há humanidade sem a mesma… Eis que esbarramos em um impasse extremamente delicado, tendo em vista que da mesma forma, a moralidade não poderia ser sequer cogitada sem os dois pressupostos basilares (humanidade e educação) citados anteriormente. A moralidade, como uma dependente do progresso educacional, portanto, é um território a ser construído pela ação humana, tendo em vista que diferentemente de como Rousseau poderia conceber, Kant, embora tenha lido “Emílio” com muito entusiasmo e tenha sido um grande admirador da perspectiva rousseauniana de educação, não infere necessariamente uma espécie de juízo moral definitivo ao ser humano por natureza, sua afirmação é de que o homem deve ser educado para o bem, pois, está destinado, por sua razão, a passar pelas fases anteriormente expostas para o seu aprimoramento, uma vez que possui intrinsecamente uma propensão a se abandonar passivamente aos atrativos do comodismo, ao bem-estar julgado como felicidade.
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Tradução: FONTANELLA, F. C. 3 Ed. Piracicaba: UNIMEP, 1999.
KANT, I. Antropologia de um ponto de vista pragmático. Tradução: Clélia Aparecida Martins. São Paulo: ILUMINURAS, 2006.