Apesar de ser judia de origem, de tradição, e de religião, tenho bastante curiosidade e admiração pelos ensinamentos do budismo. Achava no mínimo curioso esse meu vínculo, mesmo sabendo que o budismo é muito mais uma filosofia do que uma fé (o próprio Buda não se apresentava como Deus ou profeta, e o termo budismo passou a ser utilizado apenas no século XIX por estudiosos dos seus textos originais). Esta semana, lendo um livro sobre meditação indicado por uma amiga (“10% Mais Feliz”), percebo que essa ligação é mais estreita do que eu imaginava. Ele faz referência a Mark Epstein, o autor do primeiro livro que li sobre o assunto (“Pensamentos sem Pensador”, com prefácio do Dalai Lama) e que reencontrei amarelado na minha biblioteca. Na época em que o li desconhecia o fato, mas Epstein, um médico psiquiatra formado em Harvard, faz parte de um grupo de professores e escritores influentes, que tiveram um papel fundamental na tradução e disseminação daquela sabedoria oriental nos Estados Unidos, e consequentemente para todo o Ocidente. Quase todos nesse grupo são judeus, por isso foram apelidados “JuBus”: judeus que praticam o budismo.
Não posso dizer que conheça profundamente a filosofia, mas sempre que leio algo a respeito, sinto que seus ensinamentos calam fundo dentro de mim. Sou particularmente atraída pelo conceito de Caminho do Meio (às vezes precisamos voltar a ensinamentos milenares para lembrar que os caminhos extremos nunca são uma boa ideia), pela ideia de impermanência e sobretudo pelas lições sobre a importância de viver no momento presente. Parece algo tão simples e trivial – e cada vez mais falado, quase que um insuportável cliché – mas ao mesmo tempo algo tão surpreendentemente difícil de executar na prática. Para mim, acho que a dificuldade existe porque o conceito vai muito além das técnicas de mindfulness para a atenção plena no aqui e agora, e de estarmos mais conscientes ao que nos rodeia e ao que estamos sentindo no momento. O ensinamento fala também de aceitação integral daquilo que vivenciamos: sem julgamentos, sem conceitos pré-estabelecidos ou expectativas do que deveria ser, em uma total comunhão e fluência com a realidade que se apresenta a cada instante. Acho lindas essas frases etéreas, que exalam incenso, mas sou daquelas que precisam de um exemplo, história ou parábola para entender melhor alguns conceitos mais esotéricos.
Há alguns meses estive em uma palestra na qual o palestrante, o consultor Márcio Svartman (também judeu!), usou uma alegoria poderosa para ajudar a ilustrar esse pensamento budista. Ele narrou uma experiência própria, ao voar de balão durante uma viagem. Contou que, apesar de ter um certo medo de altura, sentiu-se absolutamente tranquilo durante todo o trajeto, que lhe pareceu deliciosamente calmo e sereno. Apenas quando olhava para o chão e se fixava em algum ponto de referência é que se dava conta da velocidade absurda com que aquela aeronave se movia. O motivo para ele se sentir tão relaxado, a vários mil pés de altura, era justamente porque o balão planava na velocidade exata do vento, nem mais rápido, nem mais devagar, sem nenhuma resistência entre sua superfície e a corrente de ar. Se pensarmos em algumas situações de nossa vida, notamos que nosso sofrimento com relação a elas se dá menos por suas circunstâncias e mais pela resistência que criamos a ela, seja por nossos julgamentos duais de bom ou ruim, certo ou errado, positivo ou negativo, seja por conta de uma expectativa voltada para o que deveria ser. Ao nos despirmos dessas camadas de juízos, expectativas e relutâncias, finalmente conseguimos enxergar a nudez da situação, e apenas assim acolhê-la da melhor forma possível.
Nesta importante época do judaísmo, nos dias entre o Rosh Hashaná e o Yom Kipur, quando refletimos sobre nossas atitudes, nossos erros e nossos acertos, busco os ensinamentos de alguns “Jew-Bus” que tanto me tocaram para desejar que possamos fluir com as experiências das nossas vidas, cada vez mais atentos às pessoas que nos cercam, com menos barreiras e muito mais acolhimento.
Por Shelly Zaclis Bronstein – Autoterapia