Mitos se propagam constantemente por nossas conversas cotidianas e, alguns ainda são vistos com certa validade, no entanto, não beneficiam em nada quem convive com a ansiedade, este demônio, esta entidade que devora a nossa calma e equilíbrio vital. Ninguém escolhe seu próprio transtorno, sua doença ou o buraco negro do qual é tão difícil emergir se nosso entorno não é favorecedor e se continuamos mantendo ideias errôneas e inclusive prejudiciais.
Nesta atualidade onde não param de surgir movimentos sociais reclamando direitos ou tornando visíveis realidades que até pouco tempo ficavam relegadas a um lugar de silêncio e repressão, surgiu outro que não deve passar despercebido. Sob o título “Eu não escolhi minha doença”, tenta expor a situação que muitas pessoas que atualmente lidam com a depressão, com transtorno bipolar, estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade, etc. vivem. São pessoas que, de alguma forma, são culpadas e responsabilizadas quando não escolheram o sofrimento que arrastam.
Dar voz a este movimento é importante. Em primeiro lugar porque grande parte da população ainda navega nas águas do desconhecimento absoluto sobre o que são os transtornos ou as doenças mentais. Também não podemos nos esquecer de que ao próprio desconhecimento se adicionam o estigma e o peso do preconceito.
Nada disso ajuda a pessoa que tenta saber o que está acontecendo com ela; e mais, em muitos casos supõe um obstáculo para que procure ajuda por causa do que dirão. Deste modo, a única coisa que se consegue é tornar este estado crônico até que cause um grau de sofrimento máximo, até que se torne totalmente incapacitante. Nada disso é permissível e nem aceitável. Portanto, algo tão simples como conhecer, esclarecer termos e visibilizar este tipo de realidade dá forma a entornos mais favoráveis.
Principais mitos sobre a ansiedade
1. A ansiedade é unicamente um desequilíbrio químico
Ainda hoje, há muitos profissionais da saúde que mantêm a ideia de que a ansiedade responde “exclusivamente” a um simples desequilíbrio químico de nosso cérebro. Cabe dizer que esta é uma meia verdade, ou melhor dizendo, um enfoque incompleto que não podemos considerar válido.
O motivo dessa incompletude? Sabemos que oferecer a um paciente um tratamento farmacológico para regular a produção de serotonina confere bem-estar à pessoa. Porém, a medicação, por si só, não consegue uma recuperação completa e nem duradoura. Em muitos casos a sintomatologia só regride enquanto a medicação é mantida.
A ideia de que a ansiedade se resolve só com química nem sempre é correta. Precisamos de mais estratégias que complementem o tratamento.
2. Se meus pais sofreram de transtornos de ansiedade eu também sofrerei
Este é outro dos mitos sobre a ansiedade mais comuns: atribuir a pré-disposição genética a todos os nossos problemas, doenças e transtornos. Pode haver um aumento do risco, uma pequena probabilidade, mas nunca uma determinação absoluta.
3. Se sofro de ansiedade, é porque estou fazendo algo errado em minha vida
O transtorno de ansiedade generalizada é uma das doenças mentais mais comuns.O impacto que tem na vida da pessoa é imenso, caótico e desgastante. Assim, e caso alguém do entorno desse paciente comente que esta realidade que sofre é sua responsabilidade por “fazer as coisas errado”, aumentará ainda mais o abatimento e reduzirá a vontade de encontrar soluções.
Em primeiro lugar, lembremos que a ansiedade, por si mesma, é parte da natureza humana. Porém, às vezes certos eventos ambientais, o entorno, nosso passado, nossa pré-disposição e a forma como enfrentamos e processamos nossa realidade determinarão o maior ou menor risco de desenvolver este tipo de transtorno.
4. Sou uma pessoa ansiosa, a ansiedade faz parte de mim e não posso mudar isso
Este é, sem dúvidas, outro dos mitos sobre a ansiedade que são mais recorrentes. Há quem pense que a ansiedade faz parte de sua própria personalidade e, por isso, não há nada a fazer, não haverá terapia e nem tratamento que possa remediá-la. Pensa que é assim e ponto. Identifica a ansiedade como parte de seu ser, como uma emoção inerente a sua personalidade.
Mudemos o enfoque e assumamos uma visão mais realista, lógica e otimista da ansiedade e de qualquer outro tipo de transtorno. Todos podemos integrar novos estilos de pensamento, gerenciar melhor nossas emoções, mudar condutas, hábitos e inclusive reprogramar nosso cérebro para dar-lhe calma, para melhorar seu foco…
5. O relaxamento profundo, por si só, pode resolver meu transtorno de ansiedade
Os transtornos de ansiedade não são resolvidos como quem tem a solução para um enigma: eles devem ser tratados. A palavra “tratamento” tem vários significados que é preciso ter em conta:
- É um trabalho ativo por parte do psicólogo e, principalmente, do paciente.
- O tratamento implica que a pessoa aprenda uma série de estratégias que aplicará sempre, não só até que perceba melhorias. Devemos assentar esse estado de recuperação para que perdure.
- Por sua vez, é fundamental entender que para tratar a ansiedade não se recorre a um só enfoque. Porque tratamento também significa busca, significa combinação de diferentes estratégias: relaxamento profundo, psicoterapia, modificação de conduta, meditação, esporte, prática de novos hobbies…
Em resumo, o relaxamento profundo ajuda, mas outros recursos precisam ser usados para conseguir uma recuperação total e permanente. Poderíamos dizer que vamos precisar de mais estratégias nessa viagem para encontrar o que nos ajuda de verdade, o que nos permitirá aliviar o desespero, apagar os medos e manejar nossas preocupações de um modo mais válido.
Para concluir, os mitos sobre a ansiedade contribuem para entorpecer o trabalho terapêutico e a normalização de uma doença que pode ser tratada com sucesso. Não nos esqueçamos de que atualmente a ansiedade já é considerada uma epidemia, e que apresenta maior incidência na população mais jovem. Portanto, é preciso implementar medidas de prevenção, facilitar estratégias com as quais entender que a mente não tem motivo para ir mais rápido do que a vida.