Engana-se aquele que pensa que filosofia não serve para nada. Embrutecido está aquele que não conhece as tão belas ferramentas que podemos aplicar na atualidade. Muito do que acontece hoje, já foi pensado e refletido muitos anos atrás. Uma pena que com tanta frequência desprezemos isso.
Friedrich Nietzsche é material de nosso texto no momento, mas ele é apenas um exemplo dos grandes pensadores que esse mundo já produziu, procure leituras na Antiguidade, no Medievo, na Modernidade e você voltará das mesmas impactado com o número de analogias que poderá fazer com os acontecimentos que você viu/leu nos jornais hoje enquanto bebia seu café de forma despretensiosa.
Sêneca, Aristóteles, Ockham, Tomás de Aquino, Kant, Thomas Hobbes, Maquiavel, Locke… Não conseguiria parar essa lista antes do anoitecer do outro dia.
Nietzsche não se faz mais presente fisicamente desde 1900, entretanto, suas ideias são atuais e extremamente úteis para que possamos compreender a humanidade. Vamos conhecer um pouquinho delas aqui, e as trago na esperança de que com isso você tenha seu interesse despertado para ler uma obra do pensador.
Porém, antes de falar a respeito do pensamento desse tão estimado alemão, quero recomendar cautela; seja vagaroso com os julgamentos, com as interpretações, porque apenas dessa forma você terá um ganho real com o que lerá. Não se contente com a superfície, não se apresse. Vivemos em tempos apressados até mesmo no que tange a formulação de juízos, queremos logo de cara ter uma opinião, falar com uma falsa propriedade a respeito de um assunto que muitas vezes tudo que temos é a ilusão do conhecimento a respeito do mesmo.
A noção de Eterno Retorno
Na obra A Gaia Ciência, Nietzsche nos presenteia com um intrigante exercício de pensamento:
“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?”
Você viveria sua vida exatamente como ela é repetidamente? A resposta para essa pergunta foi a que conduziu Nietzsche ao conceito de eterno retorno.
Uma arma contra o niilismo, contra a decadência humana. O autor, na contramão do pensamento vigente, busca uma desvalorização dos valores da sociedade, mas uma valorização à vida, para que assumimos esta realidade sem paliativos, que amemos a vida como ela é. Sem muletas.
Toda vida não vivida, permaneceria dentro de você
Amor-fati
Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!” – Nietzsche, Gaia Ciência
Não é por acaso que esse tópico vem após o de “Eterno Retorno”, ambos estão fortemente imbricados, o amor fati demanda a aceitação de nossos infortúnios, de nossa vida como ela é, tal como víamos anteriormente, afinal é impossível afirmar o Eterno Retorno sem o pressuposto de amor à vida.
Se tudo que temos é nossa existência, consequentemente ela é tudo que temos para amar. Talvez você pense que se trata de um conceito exagerado e demasiado desesperador, porém se você olhar com mais atenção perceberá que daí podemos extrair um instrumento ético interessantíssimo, no qual só passará o afirmativo.
Você quer viver uma vida afirmativa ou uma vida de medo e fraquezas?
Você aceita o desafios que a vida te propõe com elegância e firmeza ou não? Como você quer olhar para a vida?
Vontade de Potência
“O mundo visto de dentro, o mundo determinado por seu ‘caráter inteligível’ – seria justamente ‘vontade de potência’, e nada mais” – Nietzsche, Além do Bem e do Mal,
Como sabemos, Nietzsche apreciou muito as obras de Schopenhauer, e embora tenha se distanciado do autor no decorrer de sua vida, um dos conceitos em que podemos lembrar dessa fase é o de Vontade de Potência.
A ideia de “Vontade” é extremamente forte no pensamento do grande filósofo Arthur Schopenhauer. Não é coincidência que sua obra magna seja denominada “Mundo como Vontade e Representação“. Entretanto, em Nietzsche temos o conceito de “Vontade” de outra forma, por isso reafirmo a necessidade de cautela antes de julgamentos ou comparações, os autores possuem diferenças bastante relevantes que devemos dar o devido valor antes fazermos comparações precipitadas.
Arthur Schopenhauer considera a vontade como cega e insaciável, uma força que estaria para além dos nossos sentidos. Nietzsche considera a vontade apenas na vida, mais que isso; deriva da vida a vontade de potência.
“Se, em física, potência é a capacidade de realizar trabalho; na filosofia, Vontade de Potência é a capacidade que a Vontade tem de efetivar-se. Contra uma interpretação rasa de Darwin, Nietzsche argumenta que o homem não pode e não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos próprios. Isto significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se no encontro com outras forças.” (Razão Inadequada)
A vontade de potência não está interessada na busca, porque ela dá; não está a procurar, porque ela cria; não aspira, compõe; não exige, inventa; não interpreta, fabrica. A vontade de potência é um eterno dizer sim.
Em suma, o propósito é livrar o homem das amarras frequentemente impostas pelos valores da sociedade, buscar uma superação a partir desses conceitos como ferramentas.
O conceito do Super Homem
“O homem é algo que deve ser superado“,
disse o filósofo alemão em sua obra “Assim Falou Zaratustra“.
Esse conceito tão famoso de Nietzsche é um belo exemplo de uma ideia que é frequentemente mal interpretada, o mesmo exige a articulação de tantos conceitos que seria no mínimo problemático começar por ele, por esse motivo o deixei por último. Precisaríamos ter em mente a noção de Eterno Retorno, como ferramenta para se chegar ao Super Homem, o conceito de amor-fati, para superar todo o ressentimento, e, a ideia de Vontade de Potência.
(Deixo linkado um site de muita qualidade para que você possa ler mais sobre cada um de forma individual posteriormente.)
“O homem moderno orgulha-se demais de si próprio, está acomodado, conformado, abraça seus ídolos supersticiosos como único meio de sobrevivência. Chegamos ao extremo da massificação e uniformização. Também existe, claro, muito medo e insegurança, poucos aventureiros. O valor dos valores deve ser revisto: é afundados nesta sociedade moralista que devemos viver? Não! A afirmação do super-homem é a negação dos valores vigentes: ousadia no lugar de segurança, auto-disciplina ao invés e auto-piedade, esquecimento em vez de ressentimento. Zaratustra aconselha ao homem mergulhar dentro de si para encontrar a potência necessária para declinar, deixar esta forma velha e empoeirada e criar novos valores.” Razão Inadequada
Já identificou nossa sociedade por aí? Pois é…
De acordo com o professor especialista em Nietzsche Oswaldo Giacóia, da USP, o Super Homem (ou Além do Homem) poderia ser representado por aquele que encarara a vida sem as muletas que o homem usou até hoje para poder suportar a existência, como a religião ou a moral, por exemplo. Em Nietzsche, tais muletas seriam uma espécie de negação da morte. Seria por causa dessa negação que as pessoas acreditariam em falsas promessas como o paraíso.
“Eu vos digo: é preciso ter ainda o caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante, eu vos digo: tendes ainda o caos dentro de vós” – Nietzsche, Assim Falou Zaratustra