Saudade também traz felicidade

Eu tive a felicidade de conhecer meus dois avôs e minhas duas avós. Não pude curtir muito meus avós gaúchos, mas me lembro direitinho de ambos: vô Hér e vó Amélia (carinhosamente conhecida como “vó Tita”). O vô Hér sempre foi muito carinhoso comigo e dizia tudo no diminutivo. Posso até ouvir a voz dele dizendo: Bom dia, guriazinha! Como passaste a noite?
A vó Tita foi perdendo a memória aos poucos, mas amava música. Ela já não falava uma palavra sequer, mas ainda me tirava para dançar, enquanto cantarolava “ta, ta, ta”. Éramos apaixonadas pela música e pela dança e rodopiávamos pela casa, enquanto ela sorria. É por causa dela que eu acredito que há memórias que são guardadas na alma e não na cabeça. Enquanto dançava com ela, eu podia sentir que aquele sorriso não estava só no semblante dela; ele vinha do coração.
Lembro também dos avós mineiros. O vô Vicente era sério e calado, deve ter sido bravo. A vó Amélia era uma mulher forte e muito acolhedora e foi aquela com quem mais convivi. Ela criava gado, porcos, frangos e um cachorro; plantava e colhia um monte de coisa. Quando criança, visitava a casa dela semanalmente e, quando me mudei para o lado da casa dela, as visitas eram bem mais frequentes. Quando eu não ia lá de dia, ela me fazia companhia a noite.

Entre uma conversa e outra, ela tirava um cochilo e, quando acordava, fazia aquele café novinho acompanhado de uma deliciosa merenda. Lembro que sempre tinha broa, queijo e biscoito maisena, mas o melhor momento era quando ela abria um pote grande e me conquistava para sempre com aqueles biscoitinhos caseiros. Ainda bem que lá em casa não tinha essa iguaria, porque eu provavelmente teria criado guerras só para comer biscoito ao invés de feijão.

Hoje, na tentativa de trazer um pouco do tempo de volta, fiz um pãozinho de milho para tomar com café. Ainda bem que não sou avó. Ainda falta muito até eu ter aquele dom de misturar os ingredientes e fazer um pãozinho de milho ter aquele gosto docinho de carinho de vó. A tentativa foi boa, mas o que ficou por aqui foi a saudade. Saudade do sorriso, da dança, da bronca, do mate e do café fresquinho com merenda.


Talita Prato

Sou nutricionista, mestre em saúde e nutrição, esposa do Luís, mamãe do Totó, irmã do Danzito e filha de dois sábios. Amo cães, açaí e capivaras gordinhas. Gosto de falar sobre alimentação mas minha paixão é falar sobre o sabor as vezes ácido, nem sempre doce, temporariamente salgado e provisoriamente amargo da vida.

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