O OUTRO LADO DO PARAÍSO

Na novela global O outro lado do Paraíso, seu autor, que não por acaso se chama Walcyr CARRASCO monta um mosaico monstruoso do que há de pior na humanidade: seres humanos egoístas, racistas, fascistas, psicopatas, hipócritas, machistas, manipuladores, maus-caracteres, abusadores, complacentes, interesseiros e invejosos, entre outros adjetivos que poderiam se expandir ao infinito. A trama da novela é boa, uma espécie de O conde de Monte Cristo tupiniquim, uma história de vingança da personagem principal Clara que teve sua vida gravissimamente prejudicada pelos personagens antagonistas, mais precisamente sua sogra, sua cunhada, “o psiquiatra, o delegado e o juiz”. Eles tiraram tudo de Clara, sua sanidade, sua liberdade e sua dignidade. Ela conseguiu fugir do hospício no qual foi internada sub-repticiamente e retornou surpreendentemente rica por um devir do destino para se vingar de um por um.

O outro lado do paraíso é uma verdadeira aula de criminologia, cheia de crimes e criminosos de toda espécie. Talvez por isso essa novela tenha chamado nossa atenção de maneira singular e especial. Nessa novela tem de tudo que se possa imaginar de podre: uma personagem racista e mau-caráter chamada Nádia, mãe do Bruno, personagem que se apaixona por uma mulher negra e sua mãe faz de tudo para separá-los, tanto que consegue, sem nunca sentir um grão de remorso, apesar de contemplar o vasto sofrimento do filho que ama Raquel, “aquela preta”. Segundo o historiador e filósofo Leandro Karnal “Todo racista é burro e mau-caráter.” De fato, nunca conheci nenhuma pessoa racista que possuísse caráter e cultura. Bruno foi complacente com sua mãe e por isso perderá “o grande amor da sua vida”. Como dizia o gênio da poesia francesa Arthur Rimbaud no poema Canção da mais alta torre “Inútil beleza A tudo rendida, Por delicadeza Perdi minha vida.” Não somos culpados por nossos parentes serem o que são, mas somos responsáveis por todos os danos que “permitimos” que eles causem.

Além da racista debochada da Nádia há uma personagem maquiavélica Jô, aquela que denominamos na vida real de “Amigo da onça”. Jô convenceu sua melhor amiga Beth a trair seu marido para destruir seu casamento e ficar com o seu conjugue. Para isso ela contou com a ajuda de Renan, um predador sexual que seduziu Beth e foi indiretamente responsável pela sua desgraça. Quem acabou, de fato, com Beth foi seu sogro, Natanael. Motivo: ele era contra o relacionamento do filho diplomata com Beth, achava que ela não era uma mulher suficientemente boa para ele, embora ele a amasse e estivesse feliz. Em suma, um ditador autoritário que invadiu a esfera de vida pessoal do filho e por puro preconceito conseguiu destruir seu casamento e sua felicidade. Morreu sem se arrepender. Não tinha caráter. Era um sociopata prepotente, mesquinho e medíocre.

Além da racista debochada, do amigo da onça, do sedutor sexual e do sociopata prepotente temos um delegado pedófilo que abusou da enteada em sua infância. Ou seja, um monstro imperdoável. Não posso me esquecer da cereja do bolo do mal, ou seja, Sofia, simplesmente uma psicopata que fará de tudo para impedir o casamento da filha anã, além de ter um filhinho mimado espancador de mulheres, o fantoche e superchato Gael. Há também outros personagens patéticos, como um psiquiatra gay que negou enquanto podia o que sentia por vergonha da mãe machista, castradora e iludida, “Meu filho é macho”, e da sociedade sádica que não se importa com a felicidade de ninguém.

Enfim, é um ambiente de coação emocional asfixiante essa novela. Chama-se Do outro lado do paraíso e deveria se chamar “Do outro lado do inferno”. Ainda bem que coisas assim não acontecem na vida real. Não é verdade? Os personagens que são vítimas, mesmo sendo fortes e lutadores, sofrem muito. Cada um com seu conflito. Agora imagina um personagem frágil que acumulasse a maioria dos conflitos dessa novela-pesadelo, ou seja, alguém que tivesse a mãe racista, o melhor amigo da onça, sido seduzida por um predador sexual, sido separada de quem amava por um parente perverso e irredutível e sofresse abuso emocional e sexual constante tudo ao mesmo tempo? Seria cruel demais até para o Carrasco. Quem suportaria todas essas sabotagens e sacanagens sem se perder miseravelmente entre predadores, psicopatas e parasitas e perder aquilo que mais desejava, fazer a experiência do amor verdadeiro e recíproco?

O amor, a ética e o respeito estão, indubitavelmente, do outro lado do paraíso. Lamento.


Thiago Castilho

Advogado e escritor, um homem de leis e letras. Acredito que a arte pode “ensinar a viver”. Ensinar a viver significa ensinar a lutar pelos seus direitos e a amar melhor a si e a toda humanidade. Adquirir o conhecimento e transformá-lo em sabedoria de vida no palimpsesto do pensamento. Eis meu ideal intelectual que busca realizar a experiência do autoconhecimento, não sei até se do absoluto e talvez do Sublime aplacando assim minha angústia existencial, sem soteriologia, porque ao contrário de Heidegger não acho que somos seres-para-a-morte, mas seres-para-a-vida e seres-para-o-amor.

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