A vida é mesmo engraçada. Ela nos surpreende, nos alegra, nos entristece, nos faz promessas, pouco depois, desfaz promessas, realiza sonhos, muda sonhos, muda caminhos, destinos, desejos, e muda a nós mesmos. Mudamos com o tempo. Amadurecemos e começamos a enxergar a vida com outros olhos.
Durante muito tempo alimentei o sonho de viver perto do mar. Desejei que as janelas da minha casa se abrissem para a suave brisa do lindo azul do oceano. Sonhava morar em alguma praia distante, pouco movimentada, onde o sol viria me cumprimentar com seu caloroso “bom dia”, todas as manhãs. Porém, a pouca idade dos filhos, todos ainda estudando, não permitiu, na época, a concretização desse desejo. E o sonho foi sendo adiado…
Fazia planos de como seriam preenchidas as horas dos meus longos dias à beira mar. Acordaria bem cedinho, aos primeiros raios do astro rei. O café da manhã seria saboreado, de preferência, ao ar livre, com alimentos frescos e saudáveis. Logo após o café, as longas caminhadas na areia seriam obrigações de puro prazer. O sol da manhã aquecendo a pele, o vento bagunçando os cabelos e as brancas e macias espumas do mar provocando gostosas sensações a beijar-me os pés com lambidas demoradas e geladas. Seria algo bem próximo do verdadeiro paraíso.
Na volta da caminhada, os ingredientes para o almoço já teriam sido comprados. Peixes fresquinhos, vegetais coloridos e variados, frutas diversas para a sobremesa. Com um pouco do talento culinário herdado da minha querida mãe, prepararia o almoço, eu mesma. As tardes quentes de verão serviriam para relaxar o corpo na rede ou para colocar a leitura em dia, no silêncio e na paz, aguardando o espetacular pôr de sol de cada anoitecer.
E à noite…ahhh… a noite fecharia com chave de ouro mais um dia bem vivido, bem amado, bem aproveitado e bem esperado. E debaixo de um céu iluminado, daria boas- vindas à esplendorosa Lua, a despontar brilhante, misteriosa, às vezes, nova, outras vezes, crescente, cheia ou minguante, não importa, ela reina rainha, sempre. E a ela, brindaria às suas muitas fases, com um saboroso vinho, pouco me importando a safra…
Pois é, assim eram meus sonhos. Assim, eu achava que poderia ser completamente feliz, vivendo à beira da praia de um lugar qualquer. Porém, o período pelo qual esse sonho foi adiado, mostrou-me um leque de novas possibilidades ou, quem sabe, talvez, a vida me tenha feito enxergar de modo um pouco diferente…
Enquanto, cresciam os filhos, comecei a pensar, por exemplo, que uma vida não é feita apenas de “verão”. Comecei a pensar no quanto bravio pode se tornar o mar numa noite de tempestade, soprando seu vento frio, fazendo voar vontades, pensamentos e sonhos. Pensei no estrago que faria a maresia aos móveis, aos objetos de valor sentimental, ou ao coração em noites solitárias. Pensei nos dias nublados de chuva, quando suas águas tornam-se cinzas e sombrias. Pensei se de fato, desfrutaria de tudo que a vida “marítima” poderia me oferecer. Eu, que sequer, sei nadar, pescar ou, mergulhar…
Continuo amando o mar. Seu azul, sua energia, seus mistérios. Continuo a respeitá-lo quando suas ondas assim determinam ou quando a maré não está para peixe. Continuo adorando suas cantigas quando delicadamente, vai de encontro às pedras. E continuo a visitá-lo sempre que possível. Mas o tempo passou. Ele sempre passa. E hoje, mesmo com os filhos já crescidos, a vontade de morar próximo ao mar, dá e também passa. Comecei a preferir jardins floridos e coloridos, durante todo o ano. Posso caminhar por eles e sentir o perfume, a beleza, a essência, a fragilidade e a brevidade de suas flores. E quando são regados e cuidados, retribuem lindamente com seu festival de cores e aromas.
A vida é assim. São muitas fases. E quando a serenidade, a paz e o amor habitarem no fundo da sua alma, você terá encontrado o seu verdadeiro lugar. Seja ele no mar, na montanha, no campo, na cidade ou num grande jardim florido.
Elenice Bastos.
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