DOMÍNIO DO DIREITO – CAPÍTULO 1: A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS

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BREVE NOTA DE INTRODUÇÃO

Este trabalho encerra uma síntese histórica do Direito Penal desde seu nascimento na Antiguidade, passando pela Idade Média, fazendo uma escala na Idade Moderna e desembarcando na atualidade em que observamos as transformações sociais do pós-guerra do século XX e as mudanças culturais que resultaram na ascensão e hegemonia das Constituições contemporâneas. Seu objetivo é tratar do advento da Justiça Restaurativa, essa inovadora abordagem alternativa de solução de conflitos do século XXI e oferecer uma visão holística sobre seu corpo conceitual, compatibilidade com nosso Sistema de Justiça Criminal vigente e consequências para a vida sócio-jurídica dos brasileiros.

Segundo o grande poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade “Toda história é remorso.”, e a história do Direito Penal nos cientifica que a humanidade escreveu lenta e lacrimosamente sua biografia de reconhecimento e respeito aos Direitos Humanos desde seus primórdios em que se aplicavam penas grotescas e mortais, até os dias atuais ansiosos pela Justiça Restaurativa, essa nobre e promissora justiça de vanguarda, que prima pelo diálogo na solução dos conflitos interpessoais e na recuperação de todos os envolvidos na lide penal: vítima, ofensor, Estado e comunidade.

Acima: Código de Hamurabi, um dos mais antigos códigos jurídicos forjados pela humanidade
Acima: Código de Hamurabi, um dos mais antigos códigos jurídicos forjados pela humanidade

Na Antiguidade, concomitante a formação do Estado, quando havia uma violação dos direitos individuais ou coletivos reinava o caos da “vingança privada”, arbitrária e desproporcional. Um exemplo notável dessa atroz realidade corresponde à infame lei das “cinco penas” consagradas na China Antiga: “O homicídio penalizado com a morte, o furto e as lesões penalizados com a amputação de um ou ambos os pés, o estupro com a castração, a fraude com a extração do nariz e os delitos menores com uma marca na testa.”. Embora penas semelhantemente severas subsistam em certos Estados contemporâneos como a pena capital ou pena de morte nos Estados Unidos e a lapidação ou pena de morte por apedrejamento na Nigéria, na maioria dos países democráticos ocidentais coevos tais extremos penais são, felizmente, moralmente inaceitáveis e ilegais. O célebre Código de Hamurabi é o cânone jurídico desse período perverso e a lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente, vida por vida…”), por incrível que pareça, foi considerada um avanço triunfal dos direitos humanos na época por se pautar no “princípio da proporcionalidade” pela primeira vez na história humana.

Na Idade Média com o esfacelamento do Estado, o advento do feudalismo e a ascensão da Igreja Católica, as penas aplicadas agora eram: (…) a perda da paz (Frieldlosigkei), que consistia em retirar a tutela social do apenado, com o que qualquer pessoa podia matá-lo impunemente, esquartejamento, fervura, empalamento, esmagamento por elefante, afogamento, morte pela fogueira, morte pela espada (para os fidalgos), enterramento vivo, entre outros castigos draconianos e execuções excruciantes. Contudo, data da Idade Média a poderosa partícula primordial que observamos das constituições contemporâneas, a Magna Carta de 1215, um documento que expressava à resignação do rei às leis editadas e fundamentava o princípio da legalidade e da inviolabilidade de domicílio.

Composição do tribunal do júri numa perspectiva hodierna.
Composição do tribunal do júri numa perspectiva hodierna.

Na Idade Moderna com o Renascimento, a recuperação do Estado e a influência das ideias iluministas operou-se uma humanização, embora incipiente, do Direito Penal. Um dos diamantes do Direito de grande influência dessa época é a obra “Dos delitos e das penas” assinada pelo italiano Marquês Cesare Beccaria no século XVIII. Dois países se sobressaíram nessa reformulação racional das normas criminais: Inglaterra e França.

Na Inglaterra, foi imposta pelo Parlamento em 1628 a Petição de Direitos, um documento que garantia as prerrogativas do devido processo legal, o duplo grau de jurisdição e a legalidade. Em 1679 foi assinada a Lei do Habeas Corpus, remédio jurídico que protege o direito de locomoção contra coação ilegal de autoridade. Em 1689 foi elaborado pelo Parlamento inglês a Declaração de Direitos (Bill of Rights), que entre outros feitos estabelece o direito a instituição do júri e define seu modus operandi.

Imagem icônica da Revolução Francesa, a gênese jurídica dos direitos humanos
Imagem icônica da Revolução Francesa, a gênese jurídica dos direitos humanos

Na França aconteceu o fato de maior impacto na evolução histórica das sanções criminais, a decisiva Revolução Francesa de 1789, enunciada pela imortal epígrafe iluminista cunhada pelo filósofo francês Jean-Jacques Rousseau “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité), resultou no fim do feudalismo medieval e na publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos. Assim, os franceses aspiravam a uma mudança de mentalidade mundial no multicosmo sociopolítico, econômico, cultural e jurídico. No coração dessa revolução radical e abrangente, “a base do Direito Constitucional moderno”, está a conquista da “presunção de inocência”, um princípio central do Direito Penal, a partir do qual passou-se a exigir a necessidade de provas nos autos para a condenação do acusado, outrora submetido a simples convicção do juiz.

Depois das sangrentas guerras mundiais do século XX que violaram todas as fronteiras éticas da humanidade uma nova consciência jurídica começou a se modelar no mundo visando a defesa dos direitos humanos e o aperfeiçoamento do Direito Penal como um todo. Assim, as penas paulatinamente passaram a se humanizar com o propósito de proteger a dignidade do condenado. Eis o embrião ideológico da magnânima Justiça Restaurativa.

(Continua…)


Thiago Castilho

Advogado e escritor, um homem de leis e letras. Acredito que a arte pode “ensinar a viver”. Ensinar a viver significa ensinar a lutar pelos seus direitos e a amar melhor a si e a toda humanidade. Adquirir o conhecimento e transformá-lo em sabedoria de vida no palimpsesto do pensamento. Eis meu ideal intelectual que busca realizar a experiência do autoconhecimento, não sei até se do absoluto e talvez do Sublime aplacando assim minha angústia existencial, sem soteriologia, porque ao contrário de Heidegger não acho que somos seres-para-a-morte, mas seres-para-a-vida e seres-para-o-amor.

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