Até que ponto a pressão externa pode nos forçar a abdicar de nossa dignidade humana? O que você faria para salvar a vida de um inocente, ou melhor, a sua própria vida? Permitiria que o diabo o corrompesse? Trocaria amor verdadeiro por sexo casual?
Black Mirror é uma série de ficção científica e selvagem sátira social criada por Charlie Brooker, produzida pela Zeppotron para a Endemol, brutal e brilhante ao mesmo tempo. Uma visão doentia do futuro ou apenas uma antecipação pragmática e precisa do porvir da humanidade? O tempo dirá. Seja como for, Black Mirror é de fato surpreendente e inspiradora. Profetizo escritores “roubando a idéia” para pluralizá-la e enriquecê-la. Cada história do total de sete tem princípio, meio e fim e trata-se de uma versão possível do nosso futuro, da nossa realidade tiranizada pelos tentáculos da tecnologia. Atenção: spoilers abaixo. Se você tem algum problema com isso como dizia o doce Leandro Karnal “Morra!”. Ou simplesmente não prossiga a leitura. (A decisão é sua.).
No 1° episódio “O Hino Nacional” nos é provado como as redes sociais e o peso da opinião pública pode obrigá-lo a fazer o que não quer, a se trair e perder o respeito de quem ama. A ironia sexual com políticos e porcos é cruel e sutil, para bom entendedor…
O 2° episódio “Quinze milhões de méritos” é tão perverso em seu sadismo social que alguns telespectadores poderão ter a sensação de déjà vu. Ora, querida, prepare seu lenço para lágrimas, seu saquinho para o vômito e seu coração para o ódio. Esse episódio me fez entender porque certas pessoas agem da forma leviana como agem, uma vez que não possuem independência intelectual e moral para resistirem a manipulação do meio. Contudo, como dizia a filósofa Márcia Tiburi autora do livro Como conversar com um fascista: “Está na hora de introduzir o ódio nessa conversa.”. Drummond escreveu: “Meu ódio é o melhor de mim.”. O ódio justo diante de uma situação injusta criada por aqueles que amamos é uma espécie de segunda chance que damos a eles. Afinal, “O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença.” Emily Giffin, Ame o que é seu. Contudo, algumas pessoas não merecem o amor que recebem até que mudem. E se não mudarem, bem, aquele abraço… Sempre podemos encontrar o amor noutros braços.
O 3° episódio “Toda a sua história” é supersinistro. Narra a história de um jovem advogado ciumento em conflito com sua esposa e nos apresenta uma tecnologia da memória, por assim dizer, através de lembranças do passado que podem ser acessadas a qualquer momento por um aparelho implantado na nuca e projetadas numa tela qualquer para serem revistas ao bel-prazer do usuário. As consequências de se pode ter o passado sempre presente são sombrias e apocalípticas.
O 4° episódio “Volto já” é sobre o amor além da morte. O amor supera tudo, baby?
O 5° episódio “Urso Branco” é sobre Justiça. Você conhece algum vilão que se faz de vítima? Eu fiz um estudo sério sobre a psicopatia na faculdade de Direito. Em suma, o psicopata não possui empatia, causa danos devastadores aos outros e não sente remorso por isso. Eles estão entre nossos vizinhos, amigos e familiares. Cuidado, crianças! O respeito é um imperativo ético. Quem não respeita os outros não merece respeito. Fato. Uma mãe que não corrige o filho “difícil” quando está errado arrisca a degenerá-lo.
O 6° episódio “Momento Waldo” é sobre ter o seu próprio Cisne Negro, só que urso. O ultimo episódio da série “White Christmas” se subdivide em três historinhas: a primeira é sobre seduzir uma suicida (O papai não recomenda, men) e pagar o preço infernal e irreversível. A segunda é sobre ter uma versão escaneada e escravizada de si mesmo para fazer tudo que você deveria fazer por si. Alguns chamam isso de “mãe”. Quem precisa de um ovo avatar? E a terceira é sobre ser bloqueado pela sua ex. (quem nunca?) por motivos misteriosos e maternais. BM é realmente autêntico e assustador.
No futuro (?) tudo será um espelho negro: nossas íris, tvs, monitores, smartphones… E é nesse espelho que deveremos encontrar nossa essência? Será que isso é tudo que nossas vidas terão a oferecer? E se eu não for feliz assim? E se eu precisar de algo além disso? Um mundo onde somos coagidos a fazer o que não queremos e perder quem amamos, um mundo onde temos que escolher entre nosso talento ou nossa estabilidade, um mundo em que não nos sensibilizamos mais com o sofrimento de nossos semelhantes, um mundo onde sacrificamos nossa liberdade e felicidade por vaidade e aprovação, um mundo onde nos fazem nos sentir uma “alma podre” e depois ainda riem muito disso, um mundo preconceituoso, egoísta, hipócrita e invejoso povoado de voyeurs enjaulados e patéticos que se influenciam de forma irresponsável na tentativa de preencher suas vidas vazias. Será esse o mundo do futuro? Não seria esse o mundo do presente?
É impossível esquecer a sentença de Peter Drucker: “A melhor maneira de prever o futuro é construí-lo.”. Eu ainda prefiro um futuro menos virtual e frio e mais real e humano. Eu ainda prefiro um livro ao WhatsApp. Eu ainda prefiro a verdade à mentira.
“Quase sempre é disso que a ficção científica fala quando está falando do futuro – do presente, claro. Ou, mais precisamente, dos caminhos em que o presente está nos colocando. E a parte do presente que interessa ao insanamente criativo Charlie Brooker é a obsessão com informação, conectividade, compartilhamento, renúncia à privacidade, exposição da intimidade alheia e todas as incalculáveis implicações da incoporação da tecnologia à vida pessoal em tão alto grau.” Isabela Boscov
Acima: o último episódio de Black Mirror “White Christmas”. Mas recomendo que parta do princípio. Boa viagem!