Dói muito pensar!

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Estava a pensar no que eu poderia escrever neste instante. Um turbilhão de pensamentos, cheios de assuntos que têm me incomodado, passou de uma tal forma que fiquei na dúvida sobre o quê e como começar a desenvolver um texto interessante. Digitar aquelas palavras que “sacudissem” as mentes pensantes dos leitores ávidos por algum tipo de conhecimento, algo que lhes causassem um impacto que eu arrisco a chamar de espanto, no sentido aristotélico, ou,  em outras palavras, que os levassem a formular questionamentos sobre o mundo, a vida, a situação atual em que vivem.  Estarem perplexos diante da realidade que nem sempre é tão real como diria, talvez, um Karl Marx ao formular o conceito de ideologia.

É muita petulância, de minha parte, tentar tal proeza. Afinal, não sou nenhum Aristóteles, Rousseau, Lock ou Bakunin. Apenas sou mais um a colocar palavras, muitas vezes já faladas, por alguma personalidade famosa, nem sempre tão brilhante, que se arvora em formar opiniões alheias. O que não é nada mal, quando tal indivíduo tem ciência e lucidez daquilo que transmite. Tomemos, como exemplo, a superstar Beyoncé, que, não muito tempo, se expressou a seu modo a insatisfação com o racismo em seu país. Tal atitude causou mal-estar entre muitos, mas, ao mesmo tempo, elevou o tom do debate acerca dos problemas raciais nos Estados Unidos e até mesmo no Brasil. Sim, em nosso país! Quem sabe Beyoncé atingiu pessoas em lugares, onde intelectuais não conseguiriam chegar.

Por outro lado, há aqueles que se julgando tão sábios emitem as mais diversas opiniões que caso alguém faça um bom ensino médio jamais diria. Entretanto, como vivemos numa cultura em que a educação formal menospreza o conhecimento de humanidades, a maioria das pessoas acaba por acolher as ideias, baseadas apenas no senso-comum, de pessoas que gozam de um certo prestígio social bem amplo, tais como: atores, cantores, sacerdotes, políticos etc. A “opinião” delas vale mais do que qualquer pensamento de algum especialista nesse ou naquele assunto, do qual esteja em debate num programa de televisão ou que esteja em voga nas redes sociais.

Na Filosofia há os termos gregos doxa e aletheia, os quais significam, respectivamente, “opinião” e “luz da verdade”. A doxa deve ser entendida como uma opinião que surgiu da crença de que o outro diz a verdade, mas que não apresenta um dado que sustente seus argumentos (se é que posso usar esse termo). Enquanto aletheia é o conhecimento que se forma a partir da reflexão, do desejo entender a realidade, o desvelamento das coisas. Para exemplificar, quando eu digo “Mulher no volante é acidente constante”, estou emitindo uma doxa, ou seja, uma opinião oriunda de um preconceito, sem nenhum dado concreto. E quando apresento uma pesquisa com estatísticas que contradiz essa opinião, a qual demonstra que a maioria dos acidentes no trânsito são provocados por homens, estou enunciando uma aletheia.

O desenvolvimento da tecnologia e da mídia nos possibilitou ter acesso a informações numa velocidade fantástica, como nunca antes poderia se pensar. Porém aumentou também as chances da boataria, de opiniões sem credibilidade e de preconceitos viajarem numa rapidez enorme, causando prejuízos na formação das pessoas. Predomina a doxa. Pouco se tem compromisso com a aletheia. A primeira é mais aceita por ser mais fácil de assimilar; a busca da verdade não parece ser a condição primordial dessa sociedade que prefere ficar à sombra das ideias rápidas e que não exigem tanto esforço em pensar. Deve ser por isso que tantos odeiam a Filosofia e as Ciências Sociais, que exigem a autonomia intelectual do ser humano. Pensar deve doer muito, e muita gente não quer sentir essa dor.


Carlos Martins

Professor da rede estadual de ensino, graduado em Filosofia-UFG, pós-graduado em Educação e Cinema-IFITEG, apaixonadíssimo pelo conhecimento.

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